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Exodus 1947- o navio que fundou um país

Esse título, tirado do livro da jornalista americana Ruth Gruber estava no cais em Haifa quando o Exodus 1947 chegou ao porto, é o que melhor define esse triste episódia da moderna história judaica.

Há 74 anos, 4.500 judeus, sobreviventes do Holocausto se apinharam num velho navio a vapor e saíram do porto mediterrâneo na cidade de Sète, no sul da França, para forçar a entrada na Palestina do Mandato Britânico. O choque contra as tropas britânicas já estava anunciado para a chegada do Êxodus em águas palestinas da rainha.

Navio Exodus após a apreensão dos ingleses (observe os danos às barreiras improvisadas). O banner diz: “HAGANAH Ship EXODUS 1947”. crédito: Frank Scherschel, domínio público, via Wikimedia Commons

A operação e o resgate dos refugiados foram montados pela Haganá, em conjunto com os militares judeus dos exércitos americanos e ingleses que criaram uma rede de contrabando de judeus sobreviventes que provinham de vários pontos da Europa, para o Mediterrâneo em meio a um Velho Continente ainda destruído pela Segunda Guerra Mundial e onde os judeus permaneciam internados nos mesmos campos de concentração de onde foram “libertados” dois anos antes.

O fato que salta deste episódio é que os judeus continuavam ainda prisioneiros. E, mesmo que os portões estivessem abertos, não tinham para onde ir.

O embarque no navio President Warfield, com destino declarado às autoridades do porto para a Colômbia, deu-se na noite do dia 10 para 11 de julho.

Apenas, já no mar, no dia 16,ou seja, após cinco dias de viagem foi hasteada a bandeira sionista (a atual de Israel), quando a embarcação também ganhou um novo nome: Êxodus 1947! Em lembrança ao Êxodo bíblico para fora do Egito.

O President Warfield foi comprado secretamente pela Haganá (embrião do atual Exército de Defesa de Israel) no rio Potomac, em Washington e foi o maior dos 64 navios utilizados pelos judeus nas tentativas de imigração ilegal.

O Êxodus 1947 foi acompanhado por navios da Marinha Real desde a saída de Sète. No dia 18 de julho, a 40 km do litoral da Palestina, dois destroieres britânicos abalroaram o navio. Colidiram intencionalmente, quando tropas inglesas saltaram para a embarcação dando início a uma escaramuça, quando os judeus tentavam resistir.

O saldo: dois marinheiros britânicos feridos, um com clavícula quebrada e outro com um corte na cabeça devido a uma pancada. Mas como estavam batendo em judeus, coisa ainda comum para os Europeus, os marinheiros da rainha mataram a pancadas o segundo oficial, um norte-americano chamado Bill Bernstein, tentando retirá-lo da roda do leme. Outros dois judeus refugiados foram mortos a tiros enquanto outros 10 tripulantes e refugiados tiveram ferimentos leves.

Este grupo de 4.500 judeus foram simplesmente levados de volta para a França. Em viagem que se deu em três navios britânicos, tendo zarpado do porto de Haifa.

Estes heróis judeus do Êxodus 1947 estiveram a poucos metros de mudar seu triste destino mas foram escorraçados para fora do seu sonho. Tivesse sido só por este fato, a história já seria trágica. Ocorre que aconteceu ainda pior.

Quando os navios chegaram de volta à Europa, em Marselha, o governo francês declarou que só permitiria o desembarque se os passageiros o fizessem voluntariamente, o que não aconteceu, e os franceses também declararam que não colaborariam com qualquer desembarque à força.

Sem ter como intimidar os judeus e sem poder usar a força contra eles, o comando britânico decidiu, após três semanas de impasse em Marselha, dar a volta inteira na Europa e levar os judeus para o porto de Hamburgo! Isto mesmo: os britânicos estavam levando 4.500 judeus como prisioneiros para a Alemanha assassina de 6 milhões de seus familiares, dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Chegando a Hamburgo, os judeus estavam aterrorizados por desembarcar na Alemanha, mesmo numa zona sob ocupação britânica. Foram necessários 100 policiais do exército inglês e mais 200 soldados de um batalhão local para desembarcar os judeus à força.

Quando Israel declarou sua independência em abril de 1948 ainda havia 1.800 judeus do Exodus em campos de concentração na Alemanha, administrados por ingleses ou alemães que colaboravam com os britânicos. Os outros já tinham tentado imigrar ilegalmente, novamente para Israel.

A situação bizarra dos judeus no Exodus 1947 e a reação absurda do governo inglês no pós-guerra foi um fator determinante para as Nações Unidas aprovarem o fim do mandato britânico para a Palestina e sua consequente partilha, devido ao repúdio de várias nações a toda aquela situação.

Por José Roitberg

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.