Massacre de Katin (1940) e Bucha (2022) têm elementos em comum
Foram perpetrados pelos russos. Não importa se antes se denominavam soviéticos comunistas e hoje, sei lá como se denominam. Em Katin mataram com tiros na nuca 23.000 poloneses. Em Bucha, parecem ter matado a tiros (alguns na nuca) pouco menos de 500 ucranianos (pelo que se sabe até o momento desta postagem).
As diferenças são muito evidentes. Em Bucha, os abatidos foram apenas os civis. Em Katin, cerca de 20.000 oficiais do exército polonês, tanto os capturados quando a União Soviética invadiu e ocupou a metade leste da Polônia em setembro de 1939 na invasão conjunta com a Alemanha Nazista, que ocupou o lado oeste da Polônia, quanto os que fugiram dos nazistas, atravessaram o rio Bug para serem aprisionados pelos comunistas. Os outros 3.000 assassinados estavam entre prefeitos (como o de Bucha juntamente com esposa e filhos), advogados, professores e policiais poloneses.
Quando observo o desenrolar da fadada campanha russa na Ucrânia, não vejo nada parecido com o desempenho das forças soviéticas, depois, já em 1942, quando inverteram o momento, o impulso nazista e deixaram a defensiva para a ofensiva: morriam às pencas, seus tanques era destruídos às centenas, mas avançavam, liquidavam as tropas nazistas e jamais retrocederam novamente até chegar à Berlim e conquistar a capital de Adolf suicidado Hitler.
Mas quando observo os pronunciamentos do embaixador russo na ONU, ou o do Brasil, utilizando profissionalmente as mesmas palavras lidas no Conselho de Segurança da ONU demonstrando ser a “versão oficial” a ser dita por todos os embaixadores, vejo algo absolutamente semelhante à retórica soviética que vigeu de 1945 até 1991.
A Operação Barbarosa, a invasão da União Soviética pela Alemanha Nazista e os aliados dela, iniciada em 22/jun/1941, não foi diretamente contra a fronteira soviética no Norte. As tropas alemãs cruzaram o rio Bug, que dividia a Polônia ao centro, mas hoje é a fronteira com a Belarus e começaram a atacar as tropas soviéticas de ocupação ali. Para entender o que aconteceu naquela região precisamos comparar o mapa de 1939 com o atual. Só assim é possível visualizar o controle por quase dois anos de metade da Polônia por Stalin, antes de Hitler romper o Pacto Molotov e invadir a URSS.
Katin fica em território russo no estado de Smolensk pertinho da fronteira com Belarus. E para lá todos os que a ocupação soviética da Polônia julgava como lideranças militares ou civis, ou formadores de opinião foram transportados e executados com um disparo na nuca a partir de uma pistola Walther PP 7,65 mm, pistola alemã, com munição alemã. Isso aconteceu em 1940.
As tropas nazistas venceram a batalha de Smolensk em 31/jul/1941, mas só esbarraram por acaso na primeira cova coletiva na floresta de Katin em 13/abr/1943, o que foi notícia mundial. O Kremlin acusou os nazistas pelo massacre. Os alemães, apesar de terem assumido tudo o que fizeram, neste caso, sempre negaram a autoria. O que iria ser para o tribunal de crimes de guerra mais 23.000 mortos? Nada. Mas eles sempre negaram. Todos os livros de história da Segunda Guerra Mundial publicados até 1991, trazem a Alemanha Nazista como autora inconfessa e não arrependida pelo Massacre de Katin. Todas as vozes que se levantavam e acusavam os comunistas eram taxadas de “propaganda imperialista norte-americana”, uma forma mais longa de dizer fake news.
Até 1991 essa versão foi mantida a ferro e fogo por todos os governos comunistas da União Soviética, até seu último presidente, Mikhaïl Gorbachev, criar uma comissão em 1990, que ele mesmo chefiou, para descobrir a verdade sobre o Pacto Molotov e o massacre de Katin. Encontrou todos os documentos, fotos, relatórios, a parte secreta do Pacto Molotov original, enfim tudo. E expôs isso ao mundo isentando a Alemanha e Hitler da culpa neste episódio.
Isso foi um tapa na cara do último grupo que chefiou a União Soviética, que deixaria de existir poucos meses depois. Mas a questão foi tão sensível para os russos, já não comunistas, que somente em 26/out/2010, longos 19 anos após a divulgação oficial de todos os documentos da KGB, é que a Duma, câmara baixa do parlamento russo, aprovou por 342 votos a 108, a resolução determinando que as provas documentais mostram que Stalin ordenou diretamente o massacre. Note que 108 votos foram contra, 31% dos parlamentares.
E isso é muito semelhante ao que estamos presenciando. Na Segunda Guerra Mundial e após ela, a denegação mantida geração após geração de embaixadores e a acusação do massacre ser uma invenção do imperialismo do Tio Sam. Hoje, a denegação mantida por todos os embaixadores e as acusações dos diversos massacres serem fake news do Tio Zelensky.
Outra grande diferença é que se pode, com a perspectiva histórica entender por que a KGB executou 23.000 poloneses levados para dentro do território russo durante a guerra. Se sabe que isso não foi em nada diferente das execuções, eufemisticamente denominadas de expurgo pelo Bem Maior, ocorridas em todas as Repúblicas Socialistas Soviéticas, da Sibéria à Lituânia, para remover fisicamente toda a classe política, militar e intelectual anterior, e assim cortar a possibilidade da sobrevivência de lideranças antirrevolucionárias. Mas isso se deu entre 1917 e 1920 em todos as repúblicas conquistadas pelos Bolcheviques de Lenin.
Ocorre que o Exército Vermelho de antanho não conseguiu vencer nem a Estônia, nem a Latvia, nem a Lituânia, nem a Polônia. Houve combates com todos eles e os comunistas foram derrotados. Nestes países (parcialmente na Polônia) o comunismo só foi implantado nos primeiros meses de 1940, e em todos aconteceram massacres semelhantes. Por que não se fala em todos os outros massacres? Simplesmente porque até hoje ninguém foi capaz de encontrar as valas comuns onde os corpos dos burgueses anticomunistas foram lançados. O Massacre de Katin pode ser uma comprovação de que Stalin imaginava que o Pacto Molotov com validade inicial de 10 anos, assinado com Hitler, lhe dava de fato, inclusive metade da Polônia para a URSS e executou lá, o que sempre executaram algures.
E então? Podemos imaginar um motivo ideológico para matar quase 500 civis em Bucha? É um confronto de ideologias políticas? Não. Pela retórica falsa russa, é: os ucranianos seriam nazistas. Podemos imaginar um motivo religioso para os massacres de civis na Ucrânia? Não. A religião majoritária é a mesma, a cristã ortodoxa russa e nada indica que os mortos foram selecionados pela religião deles. Podemos imaginar que destruir cidades, comércios e indústrias, principalmente em Mariupol que é o centro siderúrgico da Ucrânia é para se vingar de uma nação inimiga ou impedir que um inimigo se levante? Não, na realidade os russos levantaram muitos inimigos contra eles nesta guerra.
Podemos imaginar que existe uma diretriz militar de ataque ou ordem expressa para soldados fuzilarem civis inimigos nas ruas? Para soldados torturarem civis antes de os matarem? Para soldados utilizarem canhões automáticos antiblindados parar trucidar civis que estavam nas ruas de suas próprias cidades? Leve em conta que quem dispara estes canhões dos BMPs é o comandante do veículo, sargento ou oficial, jamais um soldado. Para que um sargento ou oficial mande seu soldado motorista passar por cima de carros civis com pessoas dentro, com seus tanques? Eu acho pouquíssimo provável.
Pode até ser que soldados, sargentos, tenentes e capitães russos, estejam tão frustrados e apavorados com as emboscadas que a infantaria ucraniana está promovendo diariamente, destruindo uma miríade de blindados e massacrando seus colegas de farda, que tomaram ódio profundo contra todo e qualquer ucraniano e decidiram chutar o balde e matar quem lhes cruza o caminho. É isso que as imagens parecem mostrar.
A guerra parece ter deixado de ser entre países para ser entre pessoas que nutrem um ódio profundo e duradouro pelo inimigo, dos dois lados do conflito.
Lembra de 1984 de George Orwell? Para oprimir seu próprio povo um ditador usou a mídia controlada pelo governo para inventar uma guerra que não existia e com isso amealhar uma fortuna, retirada da população, através da grana que não precisava usar para fabricar armamentos ou no dia-a-dia do campo de batalha. Os desafetos do governo eram presos e expostos à população como terríveis e sanguinários soldados inimigos, antes de serem executados.
O 2022 de Putin mostra um ditador-democrático que amealhou uma fortuna, inventando uma guerra real e utilizando a mídia controlada pelo governo para fazer seu próprio povo acreditar que não há guerra alguma e oprimir seu próprio povo mandando a polícia prender os desafetos, mesmo os que nem protestam, mas apenas estão em locais onde há protestos. Suas tropas são as sanguinárias e as mães, pais, esposas e filhos dos soldados não sabem.
Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador