Deu a louca nos Russos
Sem ter mais como manter a retórica de fevereiro de 2022, quando invadiram a Ucrânia “nazista”, o governo russo na semana passada mostrou, um pouco antes da hora, o tom do momento. Não há outro termo dentro da geopolítica: enlouqueceram.
E com a mídia absolutamente controlada pelo estado, as loucuras de gabinete se transformam em notícias do “ministério da paz” (aquele que inventa e cuida da guerra). Hoje, o presidente Medvedev, na mensagem que marca o Dia da Unidade Nacional da Rússia afirmou, e está em todos os noticiários internacionais: “Lutamos contra Satanás”.
Há 15 dias, Aleksey Pavlov, o vice-secretário do Conselho de Segurança Nacional russo, havia escrito numa coluna no jornal semanal “Argumenty i Fakty”, que “existem centenas de cultos pagãos na Ucrânia, inclusive a seita Chabad-Lubavitch”, e que a luta agora era pela des-satanização da Ucrânia (termo que nem existia no vocabulário). Pavlov declarou especificamente que os judeus do Chabad-Lubavitch praticavam um culto satanista. Três dais depois o secretário do Conselho de Segurança, pediu desculpas ao Chabad e disse que Pavlov estava enganado.
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, o líder da Igreja Ortodoxa Russa vem apoiando a guerra explicitamente, chamando-a de “guerra santa”, uma jihad cristã ortodoxa, se é que isso pode existir.
Hoje, o discurso do Patriarca e do vice-secretário Pavlov foi abertamente incorporado por Medvedev. A guerra “é um conflito sagrado com satanás”, “Moscou enviará todos os seus inimigos para o fogo eterno.”
O presidente russo não utilizou a narrativa criada por seu Conselho de Segurança, sobre cultos pagãos e satânicos, mudando o texto para “loucos viciados em drogas nazistas”. O que são drogas nazistas? Medvedev deveria dizer.
A saber, durante a Segunda Guerra Mundial, as tropas alemãs utilizavam abertamente metanfetaminas, da marca comercial Pervetin (alemã), tanto fornecidas pelos médicos militares, quanto enviadas pelo correio por parentes. Mas era absolutamente legal, no mundo inteiro, naquele momento.
Hoje, aliás, nos últimos anos, sabe-se (até por cargas terem sido apreendidas), que o Estado Islâmico na Síria utilizou e utiliza metanfetaminas para seus combatentes, mais de 100.000 dos quais, foram mortos. Além disso, é o Estado Islâmico que publicamente, desde o início, combate Satanás, abrindo o caminho para a chegada do Messias muçulmano, o Mahdi. A saber, a bandeira preta utilizada pela Al Qaeda e pelo Estado Islâmico, é a cor prevista por Maomé, para a guerra pela chegada do Messias.
Portanto, temos então duas guerras completamente estúpidas em andamento, contra Satanás. Uma pelo Estado Islâmico sunita e outra pela Rússia católica ortodoxa, com sua aliada Chechênia, país muçulmano sunita. Em ambos os teatros de guerra, “todos que não somos nós são demônios de Satanás”, impedindo assim qualquer tipo de consideração humanitária contra o inimigo (pois são demônios, não humanos, sejam civis ou soldados) e qualquer tipo de negociação. Quem vai negociar com Satanás e os demônios enganadores?
A Agência Reuters pautou esta notícia na mídia do mundo inteiro, e deu um jeito de colocar os judeus no meio da questão. Escreveu: “Medvedev, agora vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, disse ainda que a Rússia tem armas diversas, incluindo a capacidade de “enviar todos os nossos inimigos para a Geena de fogo”, usando um termo hebraico frequentemente traduzido como inferno.”
“…usando um termo hebraico…inferno…” é uma óbvia referência aos judeus. Eu sou judeu, jamais ouvi o termo Geena, então fui procurar. A palavra é grega portanto, não tem nada a ver com o hebraico e aparece 12 vezes no NOVO TESTAMENTO, portanto também não tem nada a ver com os judeus. Sete vezes no evangelho de Mateus, três no de Marcos, e uma em Lucas e Tiago. E só, mais nada. Em João, o mais anti-judeu dos evangelhos, o termo não existe.
Foi a tradução para grego de “Geh Ben-Hinom”, Vale do Filho de Hinom que ficava em torno de Jerusalém e era onde o lixo, inclusive corpos de pessoas consideradas indignas, animais e todo o tipo de lixo eram incinerados. Em Mateus dá-se conta de que o fogo era mantido acesso por enxofre. É óbvio que ninguém vai acusar a Reuters por fake news, ainda mais quando é algo contra os judeus.
O presidente Medvedev ainda acrescentou: “… a tarefa da pátria era parar o governante supremo do inferno, qualquer que seja o nome que ele use”. Para mim, acabou de chamar o judeu Zelenzky, de Satanás. Cá para nós, nada diferente do que a Igreja Ortodoxa Russa sempre fez: judeus demônios, judeus filhos de satanás, é a mesma retórica antissemita de sempre.
Caro leitor: pense o que significa este tipo de retórica como mensagem oficial do presidente da Rússia para uma população que não possui mais fontes livres de mídia?
E hoje, Putin assinou uma nova lei obrigando criminosos condenados, principalmente os violentos e irem para a guerra. Uma consideração: será que um criminoso violento uniformizado e armado com um fuzil, vai disparar contra os ucranianos ou contra os próprios russos e desertar? Vamos aguardar os acontecimentos.
Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador