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Likud refém dos partidos religiosos

Quem é bem-intencionado, sabia que isto iria acontecer de forma sem precedentes a partir do momento em que o presidente Herzog desse a Bibi Netanyhu o mandato para tentar formar o novo governo, a partir de domingo 13/nov, pois o Likud foi o partido com maior número de cadeiras na eleição.

Alguns dias antes, Itamar ben Gvir esteve na cerimônia anual em memória ao rabino Meir Kahane, e foi vaiado pelo seu próprio grupo, após declarar que mudou de posição e não mais pretende a expulsão de todos os árabes de Israel, mas apenas os terroristas presos. Não mais pretende criar o tal “apartheid” que a esquerda mundial afirma que existe, mas nunca existiu, com separação total de árabes e judeus em Israel, como praias, parques, transportes e lojas separadas, como publicado na cartilha de Meir Kahane.

A vaia foi bem sonora e publicada em todas as mídias israelenses, pois a coalizão de nome falso “Sionismo Religioso” recebeu 14 cadeiras no Knesset como a terceira maior bancada no parlamento israelense afirmando que iria implementar um Estado Judeu como vislumbrado pelo falecido Kahane. O fundador do partido Otzma Yehudi (Força Judaica), estava sentado na primeira fila junto com rabinos de primeiro escalão do grupo e afirmou que não votou no próprio partido, devido a mudança de rumo inaceitável de ben Gvir. O leitor entendeu? O fundador do partido não votou no próprio partido vitorioso nesta eleição.

TOMA LÁ DÁ MUITO CÁ DO PARLAMENTARISMO

Não existe governo sem toma lá dá cá. Principalmente no parlamentarismo. A situação de Bibi Netanyahu não está nem um pouco garantida no próximo governo. Para tanto, ou ele se curva mesmo aos rabinos ou tenta unir as outras cadeiras de direita. Mas estas afirmam que com Bibi não tem negócio. Os partidos religiosos veem imensas vantagens, um enorme empoderamento e aspiram um poder verdadeiro que jamais tiveram e que não lhes pode ser consentido.

Arie Dery, líder do SHAS, partido ortodoxo judaico árabe, quer simplesmente ser o Ministro da Economia. Itamar bem Gvir, o ícone kahanista quer simplesmente ser o Ministro da Segurança Interna (controlando polícia, polícia de fronteira, Shin Bet, presídios etc.) Já Bezalel Smotrich, o líder do partido Otzma Yehudi decretou que ele deverá ser o Ministro da Defesa, comandando as forças armadas de Israel.

Assustador!

No momento em que este post foi publicado, o impasse estava formado em Israel. Bibi ofereceu a Smotrich o Ministério da Economia (como se isso fosse bom), mas o sujeito não desiste de comandar as forças armadas e Arie Dery declarou que a Economia é dele, do Shas e não do Otzma Yehudi.

Todavia existem coisas piores. Os partidos ortodoxos, que contam juntos com 34 cadeiras em 120, jamais os ortodoxos tiveram tantos assentos pretendem passar duas leis, em minha idiota opinião, absurdas. A primeira é para anular os processos a que Bibi Netanyhu responde.

A segunda é uma lei terrível. Permitir que o Knesset desconsidere ou anule as decisões da Suprema Corte. Calma: você adoraria uma lei destas no Brasil, não é? Mas não estão visando o ativismo judiciário que existe desde 1997 em Israel. Visam anular a nomeação de rabinos reformistas para postos de rabinos de cidades em Israel e visam picotar a Lei do Retorno, criada em 1950 e ampliada em 1970, com apoio total da ortodoxia nos dois momentos.

Isso não afeta o cidadão israelense, mas os judeus que estão fora de Israel. Em 1970 foi definido que neto de judeu e esposa de neto de judeu teriam direito à cidadania. O mundo judaico imagina que isto tem a ver com a visão nazista de que por ter um avô judeu, o cidadão alemão foi definido judeu por lei, perdeu sua cidadania e iria ser exterminado (o que é verdade), então ter um avô judeu deveria permitir a cidadania israelense. Coisa lógica, mas falsa.

A ortodoxia política atual quer revogar este artigo. Hoje, não quer aceitar mais de forma alguma a coisa do “neto de judeu”, nem de “pai judeu”: querem que a lei defina filho de mãe judia. Apenas isso. Em relação aos convertidos ao judaísmo, a ortodoxia política atual quer que apenas as conversões ortodoxas sejam aceitas e que, em definitivo, os ramos judaicos reformistas e liberais deixem de ser considerados, para fins de imigração e cidadania. Segundo os ortodoxos, a conversão reformista e liberal é “contra a halachá e não pode ser aceita de forma alguma”. Se a conversão não pode ser aceita, todos os descendentes destas conversões nos últimos 120 anos não são judeus idem.

Se isso for adotado no texto da lei israelense, a ortodoxia remove da legitimidade judaica alguns milhões de norte americanos e grande parte das comunidades latino-americanas. O primeiro passo a não aceitar nossas conversões. O segundo passo será não aceitar nossos barmitzvahs, casamentos e separações. É lógico que isso vai acontecer.

Lembre-se que o Shas já anulou todas as conversões ao judaísmo da América Latina a partir de 1928, inclusive as ortodoxas, contando com o silêncio e passividade de nossos rabinos. Nem uma só voz se levanta. E pretende mostrar o seu poder árabe anulando também o Reformismo Alemão do final do século 19, que resultou na Reforma Americana. São rabinos que tem a certeza de poderem alterar o passado, e com isso, anular o presente, em benefício deles.

O rabino-chefe “sefaradita” de família iraquiana, Yitzhak Yosef, apoia integralmente a alteração da Lei do Retorno para excluir a Reforma e o Liberalismo. Nenhuma da partes citou até o momento o movimento Conservador, que realiza as conversões pela halachá.

Ortodoxo vem do grego e significa “caminho correto”. É, portanto, uma definição excludente. Se eu estou no caminho correto então quem não está na mesma trilha está no caminho errado.

A Agência Judaica em Israel já está abertamente contra a alteração da Lei do Retorno, bem como o judaísmo mizrahi. E é um ótimo momento para entender do que se trata este ramo.

O Movimento Mizrahi foi fundado pelo rabino lituano Yitzchak Yaacov Reines (1839-1915), em Vilna no ano de 1902. É o Sionismo Religioso verdadeiro, aliado de Theodor Herzl. Seu movimento juvenil, Bnai Akiva foi fundado em 1929 na Palestina do Mandato Britânico. A palavra “mizrahi” também não existe em hebraico. Muitos pensam que vem de “mitzraim” (Egito). Não é isso. A palavra é uma “marca” criada a partir do nome “Merkaz Ruhani” que significa Centro Espiritual. Dois dos maiores expoentes do Movimento Mizrahi foram os rabinos Meir Bar-Illan (1880-1949) e Avraham Yitzchak Kook (1865-1935) o primeiro rabino-chefe da Palestina do Mandato Britânico.

Neste dia 14/nov, William Daroff, o diretor da  Conferência dos Presidentes das Principais Organizações Judaicas norte-americanas, que praticamente nunca critica a política israelense saiu abertamente em defesa da Lei do Retorno. Esta pequena instituição, formada em 1956, não é uma confederação judaica, mas seu lema é simples: 52 duas organizações judaicas americanas – uma só voz de consenso. Portanto, William Daroff fala por: American Jewish Committee, AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), American Jewish Congress, American Jewish Joint Distribution Committee, American Zionist Movement, American Sephardi Federation, Anti-Defamation League (ADL), B’nai B’rith International, Association of Reform Zionists of America, Central Conference of American Rabbis, Emunah of America, Hadassah – Women’s Zionist Organization of America, Hillel: The Foundation for Jewish , Campus Life, Greater Miami Jewish Federation, Jewish Federations of North America, JCC Association of North America, Jewish Institute for National Security of America, Jewish National Fund, Jewish Federation of Metropolitan Chicago, MERCAZ USA – Zionist Organization of the Conservative Movement, NA’AMAT USA, National Council of Jewish Women, ORT America, Rabbinical Assembly, Rabbinical Council of America, Religious Zionists of America, UJA Federation of New York, Union for Reform Judaism, Union of Orthodox Jewish Congregations of America, WIZO – Women’s International Zionist Organization, World Zionist Organization, Zionist Organization of America, Cantors Assembly (cantores litúrgicos, hazanim),  Maccabi USA e algumas outras. É muito peso político.

Opinião de José Roitberg

Imagem: o rabino Kook, primeiro rabino-chefe de Israel no Mandato Britânico da Palestina, expoente do verdadeiro Sionismo Religioso, montada sobre uma foto do bairro Talpiot, de Jerusalém. Ambas fotos são de 1924, oficiais e em domínio público.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.