80 anos atrás os Sonderkomandos se revoltaram em Auschwitz
Aconteceu em 7 de outubro de 1944 e as pressões da data de 2023 fizeram boa parte do mundo judaico esquecer deste feito heroico, fadado ao fracasso, mas ainda assim operacionalizado.
Até hoje existe um preconceito quando se fala sobre sonderkomandos. O próprio termo “sonder”, remete em português a algo sombrio, negativo. Em alemão é apenas a palavra para “especial”. Portando “Comando Especial”. E suas tarefas foram as mais horripilantes do Holocausto.
Eram prisioneiros judeus encarregados de lidarem com os cadáveres de judeus nos campos de concentração e campos de extermínio. Precisavam abrir as portas das câmaras de gás após o tempo previsto para a execução em massa, desfazer o emaranhado de corpos em meio fezes, urina, sangue e vômitos dos judeus executados e leva-los aos fornos crematórios. Depois precisavam limpar os fornos dos restos humanos carbonizados e limpar as câmaras de gás para que um novo grupo a ser executado não suspeitasse de nada até a porta ser batida e trancada, não por eles, mas por soldados nazistas.
A maioria das pessoas tem certeza de que jamais faria um trabalho destes e preferiria morrer. É compreensível. Outras afirmam, sem saber, que os sonderkomandos apenas queriam desfrutar de alguns meses de alimentação e cama verdadeira às custas dos outros judeus. E essa é a calúnia preconceituosa.
Existe uma narrativa errada de que os grupos eram mortos a cada 3 ou 6 meses. Segundo sobreviventes houve apenas um episódio destes em dezembro de 1942. De lá até o fim da guerra, morriam e eram substituídos, podiam ser mortos por um soldado da SS quando ele quisesse e assim os anos foram passando. De fato tinham alimentação verdadeira para poderem realizar o trabalho mórbido que exigia enorme esforço físico. Os últimos grupos, em vários campos libertados sobreviveram ao Holocausto. Em Auschwitz o efetivo de sonderkomandos era de 1.000 homens, a maioria judeus gregos que falavam grego e ladino e não tinham como se comunicar com judeus falando, polonês, alemão e ídíche, por exemplo. O recrutamento de judeus para serem sonderkomandos era pela capacidade física. Dizer não a um soldado alemão ou ucraniano nazistas num campo de concentração era sentença de morte imediata por espancamento.
Em 1942 eram 2.000 corpos de judeus por dia. Em 1944 havia dobrado para 4.000 corpos por dia.
Pouquíssimos judeus nos campos sabiam da existência dos sonderkomandos. Em sua maioria, trabalhadores escravos nas fábricas ao redor. Os destinados ao extermínio, não tinham a mínima ideia. Os recrutados não sabiam para o que estavam sendo levados até lhes ser dito, em outra parte do campo, separados da massa de judeus.
Os sobreviventes contaram que procuravam tratar os corpos dos judeus com o máximo de dignidade possível naquelas condições horrorosas, seguindo a tradição judaica. Era normal, entre eles recitar o Kadish, ou algum dos salmos, baixinho enquanto carregavam os corpos entre as câmaras de gás e os fornos. Não havia soldados no ambiente durante esta parte da operação de extermínio. Uns os acusam se serem perpetradores, sem os quais não teria sido operacionalizado o extermínio, enquanto outros os defendem: foram judeus obrigados a condições brutais e terríveis, e ainda assim o fizeram da melhor forma possível, para com os mortos.
Judias em trabalho escravo numa fábrica de explosivos na região de Auschwitz conseguiram contrabandear pequenas quantidades de entregar aos sonderkomandos. Se alguma tivesse sido pega fazendo isso teria um destino muito cruel.
O plano deles era explodir todos os fornos crematórios em Auschwitz e foi precipitado porque um dos judeus decidiu atacar um soldado da SS. E foi num sábado, num shabat. Apenas o ‘Crematório 4’ pode ser destruído. Os sonderkomandos partiram para cima dos guardas da SS, mataram 4. Outros 12 ficaram feridos. Na luta se apoderam das armas deles. Dezenas conseguiram fugir e foram caçados e mortos rapidamente pelas tropas da SS fora do campo. Muitas pessoas, até hoje, não percebem o desafio que é fugir de um lugar que você não sabe onde é.
As tropas da SS rapidamente cercaram a área dos crematórios e fuzilaram 500 judeus que encontraram. Os que se esconderam sobreviveram e voltaram ao trabalho quando ordenado. Destes, a maioria foi rapidamente executada, mas os alemães não mataram todos, provavelmente para ensinarem aos substitutos como deveria ser o trabalho, pois o genocídio não iria ser parado pela perda de um ou dois fornos.
Em janeiro de 1945, três das mulheres que contrabandearam explosivos foram descobertas e executadas.
Algumas semanas antes da revolta em Auschwitz-Birkenau, um dos sonderkomandos conseguiu (através de suborno de um dos soldados alemães) que lhe fosse trazida uma câmera fotográfica. É deste grupo de fotos que temos a imagem deste post, de cadáveres de judeus sendo queimados numa vala nos fundos campo de Birkenau. Existem outras fotos, como de mulheres entrando na câmara de gás. O filme foi levado para fora do campo dentro de um tubo de pasta de dentes, e chegou à Inglaterra, onde foi revelado.
O suborno de guardas era feito com objetos ou valores encontrados nas roupas dos que iam ser executados (pois entravam nus na câmara de gás para facilitar a remoção e destruição dos corpos).
Por José Roitberg – jornalista e pesquisador, formado em Filosofia de Ensino sobre o Holocausto, no Yad Vashem, em Jerusalém.