A esquerda israelense foi-se na eleição
Após cinco eleições Israel poderá ter um governo estável com um mínimo de 64 cadeiras, das 120, apoiando Bibi Netanyhu. O custo, para a sociedade israelense será alto e rapidamente os cidadãos vão perceber.
Já a esquerda israelense, principalmente o Meretz, que denominávamos “PSOL de Israel”, queridinho adorado pelos judeus de esquerda no Brasil, evaporou e não faz mais parte do parlamento de Israel após presença minoritária, mas constante nos últimos 32 anos.
Onde está a esquerda que grita alto para caramba, mas não existe quando se conta cabeças entre a população. A parlamentar médica árabe-cristã do Meretz, ao sair da coalizão do governo Bennett-Lapid, a implodiu. Sempre vou dizer que o Meretz como partido de oposição de esquerda sempre militou para derrubar o governo e só o conseguiu quando governava.
Ninguém podia imaginar o panorama criado pelo voto. O Meretz saiu do governo, para não estar mais nem no governo nem no Knesset. O que sua parlamentar fez, foi derrubar o governo e seu próprio partido, no fim das contas.
Mas qual é o tamanho da esquerda política israelense? Ela é relevante dentro do universo do Povo Judeu? O Avodá, o partido trabalhista conseguiu se manter no Knesset, com o mínimo por lei, 4 cadeiras, o que é horrível para a versão atual do partido que fundou israel. Na eleição de 1992, a que colocou Yitzahk Rabin no poder e com isso iniciou o processo de paz com Yasser Arafat, o Avodá junto com o Meretz obtiveram 44% dos votos, ou seja, a esquerda judaica compunha 44% da população de Israel.
Passados 30 anos, o Avodá recebeu 3,69% dos votos e o Meretz 3,16%. Encolheram de 44% da população para 6,8% da população. Em número de eleitores são respectivamente 175.922 e 150.740 (total de 326.662 pessoas numa população de 9,4 milhões – cerca de 3,5% da população).
O voto em Israel não é obrigatório, mas esta eleição teve alta participação de 70% dos que tem direito a voto. Isso significa que um milhão de votos não foram dados, e mais uns 3.000 colocavam o Meretz no Knesset. Será que temos o direito de imaginar que o eleitor de esquerda preferiu não votar?
Seria então correto que o bojo dos judeus continuasse permitindo que um partido político que não consegue mais se eleger em seu próprio país, dite as regras para instituições judaicas e principalmente para as voltadas à juventude judaica? Seria como permitir em Israel que enviados do PCO e do PSTU ensinassem lá a história do Brasil.
MAS O QUE ACONTECEU?
O que aconteceu com a esquerda israelense, que não aconteceu com os judeus de esquerda no restante do mundo, gente que afirma que nós, sionistas de direita enxergamos um “israel inventado, que não existe”? O que não existe mais é o israelense de esquerda, lá.
A primeira explicação, que não vi em nenhum jornal israelense, para mim é muito óbvia: toda a geração de fundadores de Israel, do partido MAPAI – Mifleget Poalei Eretz Yisrael (Partido dos Trabalhadores do Estado de Israel), fundado por David ben Gurion em 1930, e cujo símbolo era a letra hebraica alef, em vermelho como ‘foice-martelo-ramos de trigo’, filiados à Internacional Socialistas, faleceram, por idade. O último dos políticos originais a falecer foi Shimon Peres (1923-2016). E os eleitores que acompanharam aqueles políticos também envelheceram e faleceram. Seus filhos e netos abandonaram a esquerda política e migraram para a direita política.
Com a derrocada da esquerda e a ausência no Knesset do partido nacionalista árabe Balad, que também não atingiu a linha de corte, obtendo apenas 2,9% dos votos, as oito cadeiras que deveriam ser destes partidos, acabaram divididas, por lei, para os partidos acima da linha de corte. Com isso, o Likud, que praticamente não recebeu mais votos que nas quatro eleições anteriores, recebeu mais duas cadeiras e ficou com a liderança: 32 cadeiras.
Os resultados são tão desconcertantes, que Yar Lapid, que teve o governo derrubado ficou como segunda potência no Knesset, com 24 cadeiras, sete a mais que na eleição passada quando formou o governo.
SOLUÇÃO OU TRAGÉDIA ANUNCIADA?
O partido de nome fake “Sionismo Religioso” surpreendentemente passou de 6 cadeiras para 14. Um crescimento pouco visto na história eleitoral de Israel. Isso significa que 516.331 eleitores concordam com a agenda que uns chamam de ultra-nacionalista, outros chamam de racistas e este meio milhão de israelenses chama de ideal.
O Sionismo Religioso é uma coalizão dos partidos Otzma Yehudit (Força Judaica) e Noam (Agradabilidade).
Em 2015, o Otzma Yehudit, abertamente Kahanista, ou seja, de seguidores do rabino Meir Kahane, unido ao Yahad, teve apenas 125.106 votos (2,96%) sendo cortado e não entrando no Knesset. Seu eleitorado foi multiplicado por quatro, em apenas sete anos, ou seja, um crescimento de 400% da preferência do eleitor.
O Noam, foi criado em 2019, e jamais poderia estar no Knesset, pois dentro das coalizões obteve apenas uma cadeira. O mínimo legal para um partido são 4 cadeiras. É uma excrecência, praticamente um partido do eu sozinho e ninguém faz ideia de quantos votos teria concorrendo avulso. A tal agradabilidade do Noam é um Israel sem LGBTs e isso é uma agenda de Avi Maoz, o tal do eu sozinho e não de um grupo com um mínimo de significado dentro da sociedade israelense. Maoz exigiu de Bibi a revogação de todas as leis pró-LGBT que existem em Israel e fazem de Tel Aviv o melhor e mais tolerante destino de turismo LGBT do mundo. Bibi, dias antes da eleição declarou que não vai mexer em nada nesta questão. Os direitos existentes permanecem e novos direitos não vão existir.
Portanto, os votos do Sionismo Religioso, são em mais de 90%, certamente do Otzma Yehudit. A força judaica que este grupo, hoje representativo de 10% da população israelense é uma plataforma alarmante: Israel sem árabes (e não se sabe ao certo se judeus árabes ficariam), estado único, acesso dos judeus à Esplanada das Mesquitas para rezar quando bem entenderem e o objetivo máximo da demonstração da força judaica e a promessa de um Estado Judeu regido apenas pelas leis da Torá.
Já publicamos isto várias vezes e acreditamos que muitos não acreditam que isso possa ser verdade, mas é. E aos líderes deste grupo, Bezalel Smotrich e Itamar ben Gvir, Bibi ofertará ministérios, fazendo com que mais dois assumam assentos do Knesset. Smotrich já foi Ministro das Estradas de Rodagem na última gestão de Bibi. Em seu discurso de posse declarou que “não trabalhava para o governo ou para o primeiro-ministro; trabalhava para Deus”. Já ben Gvir, que é o sujeito que está a frente, abertamente, do incentivo ao conflito não só contra os palestinos mas contra os árabes israelenses receberá o cargo de Ministro da Segurança. Isso não tem como acabar bem, e vai ficar ruim logo no começo.
Neste dia 8/nov, uma declaração sem precedentes da Mercaz Olami, entidade sionista dirigente do Judaísmo Conservador Masorti em todo o mundo pediu oficialmente a Bibi Netanyahu que não torne Ben Gvir ministro, muito menos da Segurança. Uma reação oportuna e bem vinda de um importante ramo religioso judaico.
Infelizmente é simples, pelo menos para mim, visualizar um setor crescente israelense que “ACHA” que não só pode, como deve agir contra “os outros”, como os outros agiram por dois mil anos contra os judeus. Se católicos e muçulmanos nos expulsavam dos países deles, então temos o direito de expulsá-los do nosso. Se católicos e muçulmanos nos obrigaram a ser cidadãos de segunda categoria sem direitos plenos, então devemos fazer o mesmo com eles. Se 58 países podem ser islâmicos e a maioria ser regida pela Sharia, lei religiosa muçulmana emanada do Corão, então temos todo o direito de ter um Estado Judeu com as leis da Torá. Durante a pandemia ouvimos rabinos lideres da ortodoxia de Bnai Brak declarando admiração pelo Irã, em como eles são fortes para impor a Sharia sobre a população. Existem pensadores israelenses, que não fazem parte da esquerda politica, denominando este fenômeno de “mutação do caráter judaico”.
E estas pessoas, hoje talvez já pouco mais de meio milhão, parecem não compreender que o que católicos e muçulmanos fizeram conosco pelas leis do Império Romano, dos Visigodos, da Idade Média e pré-Idade Média, não ações que possam ser replicadas no século 21. Em relação aos países islâmicos, a resposta é muito simples: nós não somos eles, a ética judaica não é a ética islâmica, se é que ela existe. Não podemos nos espelhar no islã para definir o que os judeus devem vir a ser.
Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador
Imagem: ilustrativa, Bibi Netanyahu em 2016, foto de Amos Ben Gershom, GPO