IsraelÚltimas notícias

Acordo a vista ou fim da linha, nona semana de protestos em Israel, motim militar declarado

Quem lê esta coluna sabe que os artigos sobre a situação política em Israel são de opinião e não artigos jornalísticos isentos. E eu sei que minha opinião é semelhante as de algumas outras pessoas e alguns outros jornalistas judeus e israelenses judeus, mas não é a verdade: a pravda!

Infelizmente estou verificando que a imensa maioria dos judeus não está acompanhando o imbróglio israelense, preferindo sequer se informar neste momento crítico para o Estado Judeu e para o Sionismo. A existência da nação está em risco sim. Se omitir não leva a nada. Por outro lado, eu preferia me omitir, deixar outros se preocuparem, deixar outros resolverem. Ia ser mais tranquilo e agradável do que ler e pensar sobre o tema todos os dias. Eu detesto, de coração, o que estou escrevendo. Não me agrada.

Entre os meus atributos não está cogitar ser o dono da verdade. Pretendo apenas mostrar a injustiça socia (a ausência de Tzedek), a falta absoluta da obrigação judaica de praticar atos de Amor e Bondade (Guemilut Hassadim), e a falta total da verdade (Emet), para os judeus ultra-ortodoxos piromaníacos que estão na coalizão de governo de Israel.

Escolhi Tzedek, Emet e Guemilut Hassadim, por serem os termos que eles usam para definir a religião judaica e a Torá, mas não praticam. Façam o que dizemos, mas não precisamos nós fazer, parece ser a norma deste grupo do Noam, Shas, UTJ, Degel a Torá e Sionismo Ortodoxo. O pensamento deles eu não faço ideia do que seja. Mas a implementação prática deste pensamento na formalização de leis que não vão reger suas comunidades MINORITÁRIAS entre os judeus, mas vão reger TODOS OS CIDADÃOS DE ISRAEL, com efeitos devastadores sobre METADE DO POVO JUDEU que não vive em Israel ou não são cidadãos israelenses está absolutamente contra toda a ética judaica, de cabo a rabo. São nos Novos Zelotes, ainda sem seus punhais, desarmados e precisam ser impedidos como os zelotes originais foram.

Os zelotes não combateram apenas os romanos, mas todos os judeus que pretendiam se manter como bons cidadãos romanos pagadores de impostos, inclusive boa parte do último Sanedrim, do último grupo de sacerdotes do templo. Então quando sacerdotes se armam com punhais para matar outros sacerdotes e outros judeus, talvez seja uma ação mais pútrida do que Hamã, pretendendo matar judeus. Os zelotes foram varridos da face da terra, pelos romanos e pelos outros ramos judeus que os combateram entre o ano 66 e 72 EC.

E os novos zelotes, o que vai acontecer com eles? Smotrich, o Ministro das Finanças e também com poder formal sobre toda a Judeia e Samaria, mas que ele ainda não exerceu ou não pôde exercer, declarou sem ser provocado que Huwara, a cidade palestina tinha que ser varrida do mapa. Isso levou a uma revolta já em curso da Força Aérea Israelense. Dos 40 pilotos da reserva do principal esquadrão de ataque ao solo com F-16 da IAF, pilotos que destruíram o reator nuclear sírio na fronteira com a Turquia e participaram de inúmeros ataques contra as posições iranianas dentro da Síria, apenas 3 (isto mesmo, três) compareceram. Os outros afirmaram que jamais obedecerão a ordens ilegais, como bombardear Huwara, por exemplo.

Com todas as palavras, os reservistas do IDF, da Força Aérea, da Marinha, e de grupos muito especiais como comandos terrestres e navais, analistas de inteligência, reserva do Mossad e grupo de operações de resgate médico em combates estão AMOTINADOS. O que significa isso: militares que precisam se apresentar para serviço ativo anual obrigatório, por 30 dias, decidiram que não vão se apresentar. Isso jamais aconteceu em Israel.

Gantz, o atual Ministro da Defesa está pedindo, sem ser atendido, e tecnicamente ele é da oposição à Bibi Netanyahu, que todos os reservistas mantenham seus serviços obrigatórios sem colocar a política em questão. O comandante chefe do IDF, Herzi Halevi, colocado na posição pelo anterior, e, portanto, tecnicamente também alinhado com a oposição declarou publicamente que se os reservistas não se apresentarem normalmente, colocam em risco a existência do Estado de Israel. Entenda: os reservistas em Israel não estão obedecendo seus comandantes diretos, o comandante chefe do IDF e o Ministro da Defesa. Imponderável, e anteriormente considerado impossível de acontecer.

Os últimos 10 majores-generais comandantes da Força Aérea de Israel assinaram uma carta ao primeiro-ministro pedindo que ele pare com a reforma judicial. 800 reservistas da artilharia aderiram ao motim.

E este motim não é contra as ordens já emitidas, mas contra a certeza de que ordens ilegais serão emitidas por Smotrich e Ben Gvir. Pela verdade, criar esta situação no país por ordens que um soldado “acha” que vai receber é de uma estupidez incontestável. Pode ser que estas ordens nunca sejam emitidas. Será que os reservistas possuem uma bola de cristal e conhecem o futuro? Claro que não.

Nós nem podemos imaginar o que está acontecendo com os militares israelenses em serviço ativo, que veem e leem as notícias e conversam e discutem e planejam. Será que o motim dos reservistas vai se espalhar pelo serviço ativo? Gantz e o comando militar acreditam que sim.

Hoje, dia 6/mar/2023, o Itamar Ben Gvir decidiu criar um factoide fake afirmando que os manifestantes nas ruas, mais de meio milhão no sábado dia 4, a noite, tem “um plano para me matar e matar o Bibi Netanyahu”. Afirmação que foi considerada apenas, mas uma comprovação do caráter inegavelmente desviado deste sujeito.

Não só o IDF está amotinado. Bibi tem uma viagem oficial à Itália marcada para esta quinta-feira próxima. Israel está sem avião presidencial então ele precisa fretar um comercial. Pretendia fretar um Boeing 777 da EL AL. Como é normal em Israel, é oferecido um contrato de trabalho para tripulantes, específico para cada viagem. Vencido o prazo estipulado, nenhum piloto da EL AL aceitou ser bem pago para passar uns dias em Roma. Isso também jamais ocorreu. Em comunicado da empresa alega a falta de pilotos de 777 no mercado e não uma atitude política. Bibi vai ter que ir num Boeing 737.

VÃO PRO INFERNO !

A situação está tão desequilibrada em Israel que Shlomo Karhi, 40, membro do Likud e Ministro das Comunicações, na mensagem de Purim, lá pelas tantas leu o seguinte, falando sobre o motim dos reservistas: “O povo de Israel vai se virar sem vocês e vocês podem ir pro inferno.” Esse amável ministro é o mais velho de 17 irmãos, isto mesmo, dezessete de uma família ortodoxa, e estudou na Yeshiva de Merkaz HaRav, serviu o IDF, estudo no  Jerusalem College of Technology, e na Universidade Ben Gurion do Negev onde fez doutorado em engenharia industrial e gerenciamento.

Uma informação circulou velozmente pela mídia israelense, seguida de um desmentido igualmente veloz. Membros do Likud teriam começado a se posicionar contra o Bibi, e contra os ultra-ortodoxos conversando e pedindo à oposição que se una a Coalizão com o Likud, para que as cadeiras ocupadas pelos ortodoxos sejam removidas. Bibi Netanyahu desmentiu isso.

Seria, neste momento uma forma de salvação nacional, uma coalizão na marra unindo a direita fragmentada, que como dissemos já por mais de dois anos, sozinha pode governar o país sem qualquer cadeira de políticos ortodoxos.

O presidente de Israel, pelo lado dele está tentando um congelamento das votações da reforma judiciária e pena de morte para terroristas (somente árabes), dando tempo para novas discussões e acordos. Pelo que se sabe o vice-ministro do interior, do Shas, não assumiu o cargo até hoje e a cadeira está vazia, após a remoção de Arie Dery.

Vozes importantes rabínicas da ortodoxia nos Estados Unidos já estão se pronunciando abertamente declarando que rabinos tem que estar nas sinagogas e escolas religiosas e não nos parlamentos e ministérios, pedindo a demissão voluntária dos ortodoxos que estão no poder. Religião e política não podem se misturar, segundo eles e segundo ocorre nos países ocidentais, principalmente.

Um destes rabinos ortodoxos notou o seguinte e é verdade. A parte mais a direita da ortodoxia em Israel é o Shas, partido de judeus árabes, oriundos daquelas famílias com enraizamento de 1.000, 1.500, 2.000 anos em terras fora da Judeia, que viveram pelos quase últimos 1.300 anos em países islâmicos, fazendo do dia-a-dia um exercício de mostrar aos muçulmanos que eles tinham o direito de viver livremente naqueles países. Esqueceram disto e agora são os que pretendem que vários grupos judaicos e não-judaicos não tenham o direito de viver livremente em Israel. Ou seja, tudo errado.

Aumentando o volume de todos os errados, nova lei está na pauta do Knesset para permitir que parlamentares e políticos recebam “presentes e doações” para arcarem com custos judiciais. Isso surge um dia depois de Bibi ser condenado a devolver 270 mil dólares que um primo dele teria lhe dado para pagar os advogados num dos processos a que responde. Obviamente que a permissão para receber dinheiro de qualquer um para usar em causas judiciais seria a lei da corrupção efetivada.

Nasrallah, líder do Hezbollah, fez um pronunciamento feliz dizendo que a situação em Israel mostra que o país está chegando ao final, como previsto pelos clérigos muçulmanos xiitas do Irã.

Zelotes, de novo não.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: arte baseada em foto do Knesset em Jerusalém no Google Street View.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.