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Analistas concordam: o plano inicial de Putin não deu certo. Isso é a regra ou a exceção?

Nestes 19 dias da desastrada e brancaleônica invasão Russa da Ucrânia a imensa maioria dos analistas militares e geopolíticos concorda que o plano russo inicial contava com probabilidades erradas.

Na análise militar de informações, o setor respectivo dá ao comando uma lista de cenários classificados como: impossível, pouco provável, provável, muito provável. Não existe o cenário “com certeza vai acontecer”. Tudo indica que a análise que levou Putin a apertar o botão vermelho “A” da guerra dava como provável e/ou muito provável que os ucranianos desertassem pro lado russo como aconteceu na invasão da Crimeia em 2014, guerra com apenas três soldados mortos. Ou que Zelensky fugisse do país deixando a cadeira vaga para um fantoche do Kremlim. Ou ainda que Zelensky, pela paz, aceitasse a rendição incondicional exigida por Putin. Nada disto aconteceu. E é fato.

Uma indicação técnica de que os russos não pretendiam entrar em guerra é o FATO de terem enviado para combate, majoritariamente, blindados e tanques de primeira, segunda e terceira gerações modernas, que não possuem condições de sobreviver no cenário atual de combate e estão sendo dizimados todos os dias. Cada BMP (Veículo de Combate de Infantaria) destruído por arma antitanque significa a morte ou incapacitação de 11 soldados: sendo 3 tripulantes e um pelotão de infantaria transportado. Ter ou não blindagem não significa nada para estes veículos pois são vulneráveis a absolutamente todas as armas antitanques em uso, inclusive, todas as armas russas.

Vemos na mídia, os analistas confiantes em suas conclusões e os jornalistas entrevistadores que nada sabem sobre técnica e estratégia, rebolando para entender ou aceitar tais conclusões. Veja bem, dizem eles, a superioridade russa é total, e colocam até hoje um gráfico com a totalidade das armas de cada país, como se fosse um jogo de Super Trunfo onde a carta maior vence. Como estes jornalistas televisivos desqualificados para cobrir uma guerra podem entender que o mais forte não necessariamente ganha? Vamos demonstrar.

Para os judeus é sempre óbvio imaginar que o Exército de Defesa de Israel é sempre o mais forte. Mas nunca foi o mais forte. Sempre foi o mais fraco. Num gráfico comparativo o número de soldados, tanques, aviões, helicópteros, artilharia e marinha dos países árabes vizinhos e não tão vizinhos, mas que participaram das guerras como Iraque e Arábia Saudita, as forças árabes superavam às israelenses em proporções até de 10 para 1. O mais fraco venceu todas as vezes, motivado por um ponto simples: não pode se permitir perder. Se Israel tivesse perdido uma só guerra, teria deixado de existir no dia seguinte.

Em 1948 o plano árabe de exterminar os judeus e os judeus sobreviventes do Holocausto que haviam declarado sua independência era tão simples e óbvio que parecia impossível de dar errado. Era só avançar sobre o mapa e matar quem encontrassem. Mas os árabes perderam.

Em 1973 o plano egípcio de abrir as montanhas de areia que protegiam a margem israelense do Canal de Suez, com jatos de água do próprio canal, foi criativo e impecável. Assim com o bombardeio maciço estilo soviético e com artilharia fornecida pelos soviéticos que esfarelou todas as posições de defesa israelenses da Linha Bar Lev. Foi perfeito. Matou praticamente todos os militares do IDF em suas posições de defesa. Escolher o dia do Iom Kipur, para atacar Israel foi perfeito. O país estava desmobilizado. A vitória era garantida e os judeus seriam varridos para o mar. Mas os árabes perderam novamente.

Após a Segunda Guerra Mundial, a ONU entrou na Guerra da Coreia, apostando em suas forças contra as comunistas da Coreia de Norte e China de antanho. Como o ocidente poderia não vencer? Não venceu. Ninguém venceu e o conflito está em pausa até hoje.

A Guerra do Vietnã contrapôs a maior potencia militar mundial, contra “nanicos amarelos que só comiam arroz”, mas os Estados Unidos perderam, e saíram com o rabo entre as pernas e os helicópteros sendo arremessados ao mar, lutando contra um povo, de orientação comunista que decidiu que não iria ser batido.

Saddan Hussein invadiu o Kwait, que o Iraque considerava como “província rebelde e seu território por direito.” Como poderia não vencer? E venceu. Enquanto saqueava as riquezas particulares da população do emirado sunita como os iraquianos, os EUA caíram em cima e a derrota iraquiana custou uma fortuna incalculável em petróleo incendiado pelos iraquianos.

A União Soviética invadiu o Afeganistão e depois de ter mais perdas que os EUA no Vietnã, saiu também com o rabo entre as pernas. Pior: isso permitiu a ascensão do regime talibã sunita ultrarradical.

Em 1919, após os exércitos Bolsheviques conquistarem e ocuparem a Ucrânia, Bielorrúsia, Georgia, Chechênia, Azerbaijão e Tajiquistão, como poderia aquelas titiquinhas territoriais de países bálticos da Estônia, Lituânia e Latvia, além da enorme e agriculturável Polônia, não caírem frente ao Exército Vermelho na tentativa de transformar todo o antigo território do Império Russo em União Soviética? Mas Estônia, Lituânia, Latvia e Polônia resistiram militarmente e os Bolsheviques não conseguiram ocupar estes países e depor seus governos, até  janeiro de 1940, quando finalmente venceram durante o tempo em que Hitler e Stalin foram aliados na Segunda Guerra Mundial.

É só avançar nossos tanques até Moscou, dizia Hitler. Se configurou impossível.

Como com mais de um milhão se soldados não conseguimos conquistar Leningrado? Matamos um milhão e meio de civis russos lá durante o cerco, combatemos os comunistas até dentro dos mesmos prédios? Como assim perdemos, poderia ter dito Hitler?

Com o Afrika Korps o Reich vai varrer os britânicos do Egito, pois eles têm zero de apoio da população local. O Reich vai conquistar o Canal de Suez e depois marchar para Jerusalém e exterminar os judeus de lá! Avanço impossível de ser detido. Mas as tropas nazistas na África do Norte foram eliminadas.

Como último de uma série enormes de fracassos militares em operações que jamais foram imaginadas tendo possibilidade de dar errado, cito o ataque japonês a Pearl Harbour, que deu início a participação Japonesa na Segunda Guerra Mundial e tirou os EUA da neutralidade. O comandante da operação e que assinou o plano foi o almirante Yamamoto. Existe um filme japonês muito bom contando historicamente o lado deles deste ataque. Ainda antes de todos os aviões retornarem aos porta-aviões, Yamamoto recebeu a informação dos sucessos de seus pilotos, mas também a informação de que nenhum dos três porta-aviões que os EUA possuíam estavam no porto ou foram vistos pelos pilotos japoneses. O almirante Yamamoto disse então para o Estado Maior dele: “Perdemos a guerra.” E perderam mesmo. Quando ela estava ainda no seu primeiro ato.

O objetivo deste texto era demonstrar que não existe guerra ou batalha ganha no papel dos planos e mapas. Não existe porque deixar de compreender que plano de ataque e ocupação de outro país que falha ou dá errado é a regra e não a exceção.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.