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Bibi tenta demover ultra-ortodoxos de recusar o alistamento militar, mas eles, recusam mais uma vez

Uma das grandes questões internas entre a sociedade secular e os hareidim, nesta exata ordem, é a recusa dos hareidim ao serviço militar. Dizem os seculares que eles são obrigados a proteger os hareidim e ultra-ortodoxos na Judeia e Samaria (e antes em Gaza também), enquanto os protegidos os classificam como nazistas, quando não, cachorros.

Ou seja, os militares do IDF cumprem suas ordens, mas a simpatia por quem protegem e a motivação é baixa. Isso não é de hoje, mas talvez desde que a situação começou. E um dos motivos, é claríssimo: exército nenhum é, ou deveria ser uma força de proteção de civis, mas uma força de combate ao inimigo.

Até o momento, desde a fundação de Israel, quando a esquerda judaica e David Ben Gurion decidiram, ainda em 1948, que o mais importante eram os jovens judeus sobreviventes do Holocausto que chegavam em massa ao novíssimo em folha Estado Judeu, e eram ex-alunos de yeshivot (escolas religiosas) na Europa Central e Oriental, voltarem imediatamente aos seus estudos. Afinal, dali, sairia a próxima geração de rabinos. Entenda: durante a Guerra da Independência os imigrantes ortodoxos que chegavam eram dispensados do serviço militar, por decisão da esquerda judaica.

Observando pelo lado prático, qualquer um poderia ou deveria pegar em armas para defender o recém-criado país, que estava prestes a ser mesmo varrido do mapa. Mas só os oriundos das yeshivot são quem poderiam voltar a estudar a Torá. Mesmo hoje é impensável que os seculares fossem mandados para as escolas religiosas e muito menos os socialistas e comunistas. E o judaísmo é fincado em três tripés: Torá, Avodá e Tzedaká, isto é, Religião e seu estudo, Trabalhos (todos, inclusive o militar e policial), e Justiça Social. Cada judeu se enquadra em quais categorias quiser. Seria muita ignorância imaginar que os exércitos de Josué, David e Salomão, eram de praticantes da Torá e não da Avodá. Que pastores, agricultores, caçadores, carpinteiros, ferreiros, fabricantes de armas, pedreiros, marinheiros etc eram “estudantes de escolas religiosas”.

Mas ao que se saiba, ou não se saiba, pois não existe qualquer texto antigo que denote isso, jamais as pessoas dedicadas ao trabalho foram obrigadas a ir estudar a Torá exclusivamente ao passo que está muito bem descrito, no episódio dos Macabeus, dos Zelotes e de Rabi Akiva junto com Bar Kochva, que os sacerdotes e seus alunos pegaram em armas voluntariamente, abandonando seus estudos e indo para a guerra contra gregos, macedônios, romanos e outros judeus quando acharam necessário, sendo punidos por Deus posteriormente.

E “hareidim” significa “aquele que teme a Deus”, teme ser punido nesta vida, ou no que virá em seguida. Portanto podemos tentar entender o lado deles, de não quererem servir as forças armadas. Eles temem serem punidos novamente. Sabemos que não lhes falta coragem, longe disso. Segundo divulgado oficialmente pelo governo israelense no domingo, dia 13/ago/2023, em reposta ao relatório da ONU de aconteceram 600 ataques de colonos judeus na Judeia e Samaria, contra palestinos, a verdade é que aconteceram 660 ataques e o há uma preocupação em Israel por terem acontecido em 2022, 990 ataques. Você sabia disso? Não? Nem nós. Ficamos sabendo ontem. E não se pode culpar a coalizão atual de governo pelos 990 ataques em 2022 pois governava o Estado Judeu, o grupo hoje na oposição.

Em momento algum podemos imaginar que jovens kahanista, incluídos no novo Sionismo Religioso ou no Poder Judaico são jovens que não tem coragem para se embater com o inimigo, e muito menos que precisam ficar o tempo todo nas escolas religiosas, senão, não teriam tempo para realizar uma média de 3 ataques por dia em 2022 e 3,7 ataques por dia em 2023.

O Sionismo Religioso original pensava diferente. Não sendo obrigados ao serviço militar, toda uma vertente de seus jovens, mais concentrada no movimento Bnai Akiva (Filhos lá do rabino Akiva que nos deu um falso Messias para lutar contra os romanos), se voluntaria para o serviço militar, desde a guerra de 1948. Sempre existiram soldados e até oficiais ortodoxos no IDF, nas unidades de combate e participando de todas as guerras de Israel. Até hoje, quem quiser se voluntariar será aceito, caso tenha a aptidão física mínima para um soldado.

Mas como os ortodoxos que não praticam esportes, não têm aulas de educação física nas escolas, não praticam corrida, conseguem entrar num exército que valoriza demais exatamente a corrida e o preparo físico? Existem pré-academias militares ortodoxas. Isso mostra que entrar no IDF não é uma decisão de estalo de um judeu ortodoxo ao completar 18 anos. Eles se inscrevem nas academias, onde continuam seus estudos de Torá e tem a preparação física e alguma instrução já militar antes de entrar no IDF. Isso funcionou por décadas.

Existe uma unidade do IDF dedicada a este nicho é o batalhão “Nahal Hareidi”, também conhecido como “Netzah Yehuda” (tradução livre Vitória Judaica), composto por jovens do sexo masculino do Bnai Akiva e outros ramos do sionismo religioso original, do Chabad e do Breslev, do rabino Nachman. Foi criado em 1999 e o seu emblema é um leão de Judah sobreposto a uma espada e uma menorá. O batalhão hareidim faz parte da Brigada Nahal, criada em 1982.

Enquanto a aparência dos soldados hareidim em serviço militar obrigatório de três anos e meio é pouco diferente dos soldados seculares, utilizando barbas aparadas e cabelos de comprimento militar (na foto principal do post), os soldados em “miluim”, o serviço militar adicional de um mês por ano até os 45 anos de idade, mantém a aparência absolutamente habitual dos hareidim na sociedade israelense. Portanto é muito simples: não existe incompatibilidade em ser hareidi e ser soldado, para alguns dos movimentos religiosos hassídicos e não hassídicos, enquanto para outros é absolutamente inaceitável. Será que eles percebem que ao chamar os soldados do IDF de nazistas, os grupos hareidim que se opõe ao serviço militar também estão chamando jovens hareidim como estes da foto, de nazistas? (foto do Netsah Yehuda em domínio público).

E pode e deve existir uma certa confusão pois Nahal é o acrônimo de “Noar Halutzi Lohem (Juventude Pioneira Combatente)”, um programa que combina serviço militar e serviço na agricultura, sendo que seu pequeno contingente original evoluiu para uma brigada completa em 1982, participando de operações militares amplas, não restritas ao lado agricultura do programa. Em hebraico é muito claro o que o programa significa. Portanto Juventude Pioneira Combatente Hareidi.

Mas há uns 8 anos atrás um ou outro rabino que dirige estas instituições começaram a pregar que os soldados ortodoxos não podem estar em unidades que tenham também mulheres, que não podem e não devem obedecer a ordens de uma mulher superior hierárquica e sequer podem estar dentro de um veículo militar, mesmo caminhão de transporte onde esteja uma mulher. Aí a coisa começou a degringolar.

Um destes rabinos, Tzvi Kostiner, considerado um dos bons diretores de pré-academias militares ortodoxas, mas que defenestra as mulheres no IDF, nestes últimos dois dia vem pleiteando a simples e pura libertação tanto de um jovem ortodoxo condenado a três prisões perpétuas consecutivas por ter jogado um coquetel molotov dentro da casa de uma família palestina, matando pai, mãe, filha pequena e deixando o filho um pouco mais velho com queimaduras gravíssimas, sob a alegação rabínica categorizada de que o rapaz nada fez. Ou seja, para o rabino Kostiner, polícia, testemunhas, confissão, promotor, juiz e júri estão absolutamente errados e ele rabino, que nada tem a ver com a questão está absolutamente certo.

Mantendo sua coerência, o rabino Kostiner também está pedindo a libertação e o encerramento do processo contra os dois jovens kahanista acusados de matar um jovem palestino com um tiro no pescoço durante um ataque à aldeia palestina, com o mesmo argumento santificado: eles não fizeram nada.

Bem, quem está fazendo alguma coisa é o rabino. Ao que parece, na visão dele, quando um jovem ortodoxo assassina um palestino, ele não está desrespeitando o mandamento sagrado Não Assassinarás, como está na Torá em Êxodo e Números. Se alguém conseguir entender o que passa na cabeça deste tipo de rabino e a qual judaísmo ele de fato pertence, então nos informe.

Encerrando com a questão do recrutamento de hareidim, a recusa das lideranças rabínicas deles é a que eles se apresentem nos centros de recrutamento, não aceitando que a lei que vale para todos os judeus em Israel possa valer para eles, talvez por se considerarem mais judeus que todos os judeus e estarem numa categoria especial que deve ser sustentada e protegida por aqueles que desprezam.

Os hareidim que se apresentam, em sua maioria são dispensados, não perca de visão que um soldado precisa ter uma condição física mínima e uma quantidade enorme dos hareidim não tem. Outra parte é alocada para serviço civil que equivale ao serviço militar para termos legais, mas nem isso eles aceitam.

Não fosse o serviço militar obrigatório para homens e mulheres em Israel e apenas voluntário, toda esta questão não existiria. E talvez o país também não. Lá, é diferente.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: a foto principal do post é uma montagem com soldados do Netsah Yehuda no Kotel, em Jerusalém, publicada pelo perfil Friends of Netsah Yahuda do Facebook com o emblema bordado de ombro da unidade militar.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.