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Criminalizar discurso anti-hareidi e prisão administrativa para cidadãos israelenses é a nova investida da ultra-ortodoxia

A criatividade é extrema. O pensamento de como ferrar os outros é extraordinário. E isso não vem da Torá nem da ética judaica. Vem do extremismo religioso judaico encastelados nos ministérios fundamentais. Talvez eles tenham uma longa lista de propostas de lei e estão com a torneira entreaberta, pingando-as aos poucos.

Desta vez, em dois dias seguidos, duas propostas preocupantes.

No dia 11 de junho o partido United Torah Judaism encaminhou um projeto de lei para modificar o texto de 1977 da Lei Antiracismo, para incluir penas aos que forem acusados de crimes baseados em cor, origem étnica-nacional e tendência anti-hareidi. No mesmo dia, o Comitê Ministerial de Legislação do Knesset votou e aprovou o encaminhamento do projeto para o plenário.

“Chegou o momento de traçar uma linha vermelha contra o perigoso e desenfreado incitamento contra o público hareidi”, declarou Yaakov Asher, autor do projeto e acrescentou que “a lei vai permitir cobrar um preço dos instigadores e vai mostrar a todos que o sangue do cidadãos hareidim não é barato.”

Desculpem o termo. Mas o que este sacripanta desqualificado está querendo dizer? Que existem judeus em Israel atacando verbalmente e fisicamente judeus hareidim? O que sempre se viu foram os hareidim cuspindo nos outros judeus, principalmente mulheres, atacando mulheres com braços e pernas de fora de suas roupas, rasgando e riscando cartazes com rostos de mulheres, sejam eles publicitário ou eleitorais. Eu gostaria de ver uma só instância onde um hareidi foi atacado por outro judeu não-haredi, porque entre eles a violência também existe.

O que o UTJ pretende, caso isso seja aprovado é fazer com que os parlamentares dentro no Knesset se calem contra as demandas dos ultra-ortodoxos. Ou seja, ninguém terá mais direito de falar contra o que eles querem sem ser acusado de racismo. É a epítome da “lashon hará” (língua maldita) que a ortodoxia define como qualquer coisa que se fale contra ela. Como não existem punições jurídicas para lashon hará, querem criminalizar o discurso opositor a eles.

Agora, junte isso do dia 11 com a proposta do dia 12 e temos um “ticket to hell”.

No dia 12 de junho o partido Otzma Yehudi encaminhou uma proposta de lei para dar poder ao seu presidente, o Ministro da Segurança Nacional, Itamar ben Gvir o poder de decretar prisões administrativas, aquelas onde não é necessário acusação para alguém ser preso.

A justificativa da proposta é que isso é necessário para conter a onde de crimes que varre o setor árabe, tanto cristão, quando muçulmano, da sociedade israelense. Apenas este ano, em 165 dias foram 102 mortes. Se a conta for feita acrescentando os quatro anos anteriores o número deve estar próximo de mil. E isso nada tem a ver com o conflito entre palestinos e israelenses.

São três vertentes. Guerra entre duas facções criminosas árabes rivais que atuam no tráfico de drogas e venda de proteção aos comerciantes árabes. Guerra tribal entre duas famílias árabes majoritárias. E crimes de honra praticados por pais e irmãos contra filhas e irmãs. No mais recente, uma moça árabe de 18 anos, que se afirmava lésbica desde os 15, foi executada a tiros pelo irmão dela “pela honra da família.” Durante 3 anos ela pediu proteção a polícia contra o irmão.

Apesar das comunidades árabes cristãs e muçulmanas saberem exatamente quem está por trás das duas guerras, onde cada morte é a vingança por uma morte anterior, e apesar de não faltarem policiais árabes cristãos e muçulmanos em Israel, inclusive em cargos de comando, a impressão que se tem é de não haver possibilidade de investigar ou não haver vontade de investigar. Isso pode levar Ben Gvir a demitir o comissário de polícia, que abertamente já disse não acatar ordens do ministro.

A solução dos políticos piromaníacos é dar ao ministro a possibilidade de aprovar e renovar prisões administrativas por até seis meses, para QUALQUER UM que o ministro pensa levar perigo ao público, se o pedido for feito pelo comissário de polícia e com a aprovação do ministério público ou seus representantes. É uma prisão pré-crime, adotada há alguns anos contra os terroristas palestinos identificados que não são cidadãos israelenses.

Qualquer um, não envolve apenas as guerras entre árabes e pode envolver desafetos do governo, manifestantes, e quem sabe futuros novos “difamadores de hareidim”. Novamente os piromaníacos acendem um pavio a ser apagado pela sociedade israelense a partir de sábado que vem quando dezenas de milhares voltarão às ruas para a vigésima quarta semana de protestos contra o governo.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: ilustrativa, hareidim se encaminhando para o Portão de Jaffa na muralha da Cidade Velha de Jerusalém nas primeiras horas da manhã. Foto de © 2015 Ronaldo Gomlevsky

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.