É ou não proibido aos judeus irem à Esplanada das Mesquitas?
Em Tishá be Av o ministro da segurança de Israel Itamar ben Gvir novamente subiu à Esplanada das Mesquitas, que muitos setores judaicos denominam genericamente de Monte de Templo. Lá, ben Gvir declarou publicamente e publicadamente que “a política do governo é permitir aos judeus rezarem lá”. Não é. Ele inventou isso.
Cercado de rabinos e religiosos do ramo kahanista a que pertence, declarou também que o regime de gestão do local, criado ainda em 1967 estava extinto. Obviamente ele não tem nem competência nem autoridade para tal decisão, ainda mais, verbal. Mas a celeuma foi tanta que alguns dos principais rabinos de Israel rapidamente gravaram um vídeo, legendado em árabe, afirmando que nada mudou e que bem Gvir não manda nada lá. Isso foi feito para acalmar os ânimos árabes e funcionou.
Então, o bem Gvir foi lá ilegalmente? Quem controla a Esplanada das Mesquitas? Os judeus são proibidos ou impedidos de ir lá? Quem os impede? As respostas são muito ruins.
Desde o início do domínio do Império Otomano sobre Jerusalém no começo do século 16, “todos os infiéis” eram proibidos de ir lá em cima. Em 1839, houve uma reforma no entendimento otomano e os não-muçulmanos passaram a ser permitidos para visitar o local desde que de posse de uma permissão do governador. Todavia existe uma antiga proibição rabínica dos judeus “colocarem os pés no solo sagrado da área”. Do ano 135 até 1839, 1.704 anos, isso não foi uma questão relacionada com a realidade.
Mas em 1839 tudo mudou. Consta na história que Moses Montefiore e o Barão Rothschild, em diferentes momentos, receberam a autorização do governador e subiram lá, mas não tocaram os pés: foram carregados por muçulmanos. Não há qualquer imagem ou gravura disto, mas se assume como verdade. Mas note: não foi uma questão muçulmana. Foi uma questão judaica.
Durante o domínio Otomano, os judeus tinham acesso liberado ao Kotel Katan (Pequeno Kotel) que hoje está esquecido na área árabe da Cidade Velha e tem apenas 5 metros de comprimento. Já o acesso ao Kotel, um corredor limitado pelo antigo bairro marroquino (também conhecido como bairro mouro) existia, mas não a qualquer momento. Liberado mesmo era o pequeno.
Quando os britânicos assumem em dezembro de 1917 o Kotel fica totalmente liberado para os judeus e o desejo de ir lá em cima praticamente não existia, vista a proibição rabínica ancestral.
No final da Guerra de 1948 (fevereiro de 1949), toda a Cidade Velha ficou sob ocupação da Jordânia e os judeus que lá viviam foram expulsos, pois a lei jordaniana preconizava um país sem judeus (mas Israel é que é acusado de limpeza étnica). O Jordânia então criou o Waqf de Jerusalém a autoridade islâmica sobre a cidade.
Depois da Guerra dos Seis tudo muda. As ruínas do Bairro Marroquino (já arruinado no início do século 19), são rapidamente removidas, criada a Praça do Kotel e liberado o acesso ali embaixo. O acordo de Israel com o Waqf de Jerusalém foi: “As FDI limparão a plataforma do Monte do Templo (bairro marroquino) e as tropas serão movidas para fora dela. A administração israelense será responsável pela segurança geral, mas não interferirá na guarda interna e na inspecção interna do funcionamento do Monte.” E isso vale até os dias de hoje. É o Waqf o responsável por tudo lá em cima.
Ao mesmo tempo, o Rabinato Chefe de Israel, ainda em junho de 1967, proibiu qualquer judeu de entrar no Monte do Templo de acordo com a lei haláchica temei ha’met (impureza por contato com cemitérios e mortos). Faz sentido proibir o Povo Judeu de ir lá em cima porque alguém pode ter ido antes a um cemitério e não lavado as mãos? Claro que não.
Mas o Rabinato também confirmou a antiga proibição rabínica de que apenas o Sumo Sacerdote pode entrar no local do Santo dos Santos, considerando que não se sabe a localização exata do Segundo Templo, então um judeu poderia inadvertidamente entrar no local do Santo dos Santos. Faz sentido. Também não. Aliás o Santo dos Santos está absolutamente perfeitamente sinalizado e protegido pela linda mesquita da cúpula dourada. É ali e não existe dúvidas quanto a isso.
Portanto, as duas proibições rabínicas não fazem sentido algum e entram na condição de “fazer o que é ilógico é a prova de fé”. Não existe a condição de definir o que é ilógico para ser feito seja prova de fé. Ao serem perguntados muitos judeus responderão que não pode ir lá porque é uma mesquita, mas não é este o motivo da proibição rabínica.
Maimônides legislou sobre isso, mas ele era um sujeito curioso, na maior parte das vezes e adorava ambiguidade: “todos devem manter o respeito pelo Templo que havia antes da destruição e ninguém pode entrar, exceto em locais que sejam permitidos entrar.” Aí o Rabinato, define, 650 anos de que nenhum local é permitido e ponto final.
Mas o debate se pode ou não pode ir lá em cima não está encerrado. Os hareidim não vão. Os religiosos sionistas consideram que ir lá em cima é um mitzvá, uma obrigação, e sempre recitam alguma oração, de forma discreta. O bem Gvir pertence a uma vertente radical do sionismo religioso, e discrição não é com ele. Já a imensa maioria dos judeus sobe lá, sempre com respeito e admiração, até porque é um lugar que demanda uma energia espetacular e é uma área linda.
Mas existe ainda outra consideração que o Rabinato não leva em conta. O piso da Esplanada das Mesquitas nada tem a ver com Segundo Templo. Debaixo dele existem cerca de 20 metros de estruturas e entulhos do Templo de Júpiter, construído pelo imperador romano Adriano I, após a destruição da cidade de Jerusalém no ano 135 EC. O Templo foi destruído no ano 70 EC. O Templo de Jupiter ficou como estrutura abandonada desde a criação do Império Bizantino pelo imperador Arcadio I, em 395 EC. Quando o califa Omar conquista Jerusalém o Templo de Júpiter é uma estrutura ruída e arruinada. É sobre ele que se construiu o que hoje existe.
E abaixo do Templo de Júpiter estão as ruínas e entulho do Segundo Templo e abaixo deste as do Primeiro Templo. E abaixo das ruínas do Templo de Salomão é que está o Monte do Templo. O Monte do Templo não é sua estrutura mais alta, a Esplanada na Mesquita que se encontra a cerca de 200 metros acima da montanha propriamente dita.
por José Roitberg – jornalista e pesquisador