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Governo de Israel pode cair mesmo?

Pode, mas não é bem assim como muitas pessoas vêm postando em mídias sociais judaicas, pessoas que não são favoráveis a Bibi, por motivos, políticos, pessoais, ou porque acreditam na demonização realizada pela mídia.

Estas pessoas escrevem: “pode ser amanhã”, “vai ser amanhã”, “Bibi tem que sair”. Mas não vai ser amanhã e atendidos todos os prazos legais e necessários do processo, pode acontecer apenas 2026, se acontecer. Tente entender a diferença entre derrubar o governo e alterar algo já.

Primeiro. A moção inciada pelo Degel Hatorah (hareidi não hassídico lituano), seguida pelo Agudat Israel, e depois acompanhada pelo SHAS, não é para derrubar o governo. É para derrubar o Knesset, derrubar o parlamento e convocar novas eleições. Parlamentares podem derrubar o parlamento através do voto de maioria simples, 61 votos. O primeiro-ministro pode derrubar o parlamento e convocar novas eleições por decisão dele.

Até o momento da publicação deste artigo, no final do dia 10 de junho, tudo não passa de ameaça e especulação e a moção não foi apresentada.

A moção ou lei, para derrubar o parlamento, segue o mesmo caminho de qualquer outra. Primeiro tem que ser lida e aprovada pelo plenário do Knesset para que possa entrar em votação. Depois são mais duas leituras com duas votações, onde ela também tem que obter os 61 votos.

Em tese isso poderia ser feito em dois dias, ou até mesmo um dia, mas ela pode ser retida por alguns dias, pelo comitê de avaliação (o que é muito provável), ou não ser posta imediatamente na lista de votações. Podem ainda se inscrever para falar todos os parlamentares da situação, esticando o tempo até as votações. Em Israel não existe a figura de “filibuster”, com há nos EUA, quando um congressista pode assumir o púlpito e falar o que quiser, até não aguentar mais ficar lá. Nos EUA em 1935 um senador democrata falou por mais de 15 horas. Em 1957 outro senador, então democrata, pois anos depois mudou para republicado, falou por 24 horas e 18 minutos (ele faleceu ao 100 anos de idade). Note que a moção para derrubar o Knesset não tem prioridade sobre as outras moções e leis.

Se os três partidos ultra-ortodoxos, de fato votarem a favor da derrubada do Knesset, ela vai acontecer, porque eles representam 18 cadeiras das 68 que o governo tem neste momento. A oposição ficaria com 70 votos. Se só o UTJ votar a favor e o SHAS votar contra, o governo ficaria ainda com 61 cadeiras e o parlamento não seria dissolvido. Existe possibilidade de nem todos na oposição atual votarem pela dissolução? Sim, também existe. UTJ e SHAS são adversários ideológicos e na interpretação de religião. Mas…

Prazos Legais

O recesso parlamentar se inicia no dia 24 de julho, última sessão no dia 23. Manobras podem acontecer para que a terceira leitura não aconteça até lá.

A lei prevê que as eleições aconteçam em até de cinco meses após a dissolução do Knesset. Quem decide a data é o governo, não o parlamento. Se isto ocorrer no dia 22 ou 23 de julho, então as eleições seriam em 23 dezembro. Até lá, o governo se mantém. È muito provável que Bibi marque as eleições para o último dia permitido.

O fato do país entrar num processo eleitoral pleno, com campanhas políticas durante uma guerra, disparos diários de mísseis balísticos pelo Iémen, soldados dentro da Faixa de Gaza, pressão internacional gigante e possibilidade, a cada dia mais verdadeira de um confronto final com o Irã deveria assustara a qualquer um.

E existe outra coisa que a mídia israelense não está comentando: o financiamento de campanha é com dinheiro público, ou seja, os partidos recebem milhões para a campanha. E são mais de 40 partidos e não apenas os 12 (e coalizões com cadeiras). Se desmembrarmos as coalizões partidárias, haverá 16 partidos no Knesset e mais 3 parlamentares independentes.

Se a moção dos ultra-ortodoxos não passar, eles ficam impedidos de tentar novamente por seis meses, que é o prazo legal.

Disputando quem vai derrubar o Knesset

Curiosamente os partidos de oposição Yash Atid (do Lapid), Israel Beytenu (do Liberman), Unidade Nacional (do Gantz) e Os Democratas (fusão do Avoda com o Meretz), anunciaram que vão entrar com uma moção própria de dissolução do parlamento na quarta-feira dia 11/jun.

Parece que eles querem protagonizar a derrubada e não deixar “a vitória” nas mãos dos ortodoxos. Não está claro o que pode acontecer se duas moções, pela mesma causa, de grupos que são opositores históricos e irreconciliáveis, tramitarem ao mesmo tempo. Nem se é possível que isso venha a ocorrer.

Podemos imaginar dois cenários. Vão se travar mutuamente dando tempo ao governo. Ou poderá fazer os ortodoxos retirarem a sua e manterem o governo com as 68 cadeiras. Seria uma saída honrosa para eles. Alguém pode imaginar a esquerda judaica, Lapid, somadas a Gantz e Bennet, garantindo a sobrevida do governo que tanto querem derrubar? Isso é possível de acontecer, mas na esfera do pouco provável. Mas não é impossível.

Se os ortodoxos sairem do governo perdem muito

Os ortodoxos sabem, e ninguém precisa explicar a eles, que não existe outra coalizão a que eles possam pertencer. Nunca poderão fazer coalizão com Os Democratas e o Liberman, por exemplo e muito menos com os partidos árabes. Algumas pesquisas dos canais de TV 12 (muito esquerda) e 13 (razoavelmente esquerda) parecem ter inventado que seria possível uma coalizão de oposição sem os partidos árabes, mas isso está entre o pouquíssimo provável e o impossível.

Na configuração de hoje, estes partidos, sem os árabes e sem os ortodoxos, possuem apenas 42 cadeiras. Precisariam reverter o eleitorado de 19 cadeiras das 49 cadeiras que o governo tem. Se imaginarmos que 15 cadeiras, do Ben Gvir e Smotrich jamais serão revertidas, precisariam reverter 19 cadeiras entre as 36 que o Likud somado ao Nova Esperança, do Gideon Saar tem. Quem não consegue ver que isso é impossível na sociedade israelense porque não quer ver. As 11 cadeiras árabes jamais serão revertidas também, muito menos as cadeiras ortodoxas.

Os ortodoxos também precisam a estar dispostos a ter a certeza absoluta de que o atual governo se mantém não só até a eleição antecipada, mas até o improvável opositor vencedor conseguir formar sua maioria parlamentar, sua coalizão. Ao partido que obtiver mais votos, será dado um prazo de 28 dias para apresentar um governo (e Bibi então ficaria até 6 meses, a partir de agora no poder).

Se o Likud vencer as eleições, não terá cadeiras para formar uma coalizão sem os partidos ortodoxos, pelo menos não sem um deles, e haveria mais 28 dias de prazo para quem o presidente Herzog determinar a tentativa de formação de um governo. Foi assim que Bennet, com pouquíssimas cadeiras, chegou a poder aglutinando toda a oposição e árabes. E se o Likud perder as eleições, a oposição também não vai conseguir, icnorrendo aí dois prazos seguidos de 28 dias. Portanto, Bibi ficaria no poder, convocaria novas eleições para o prazo regimental de 5 meses, e se a situação não mudar, permaneceria no poder até a sociedade israelense se acertar no voto.

Mas os partidos ortodoxos têm a certeza absoluta da perda sumaria dos ministérios que possuem hoje no instante em que protocolarem a moção, pois esta é uma decisão do primeiro-ministro. Em princípio, é impossível partir para esta via e permanecer no governo.

O SHAS perde: os ministérios do interior, da saúde, da educação, do trabalho/assuntos sociais/serviço social, e o de assuntos religiosos.

O UTJ perde: os ministérios da habitação e construção, de assuntos de Jerusalém e tradição judaica.

Ambos perdem mais dois vice-ministérios cada e a perda é muito grande. E será imediata.

E ainda resta um futuro mais adiante. Será que se o resultado das próximas eleições, sejam elar normais em outubro de 2026 ou antecipadas para novembro de 2025 der novamente o Likud como o mais votado, os partidos ortodoxos que derrubaram o governo vão voltar à mesma coalizão? Seria algo esdrúxulo e difícil de acontecer, e ilógico. Todavia se trata de política.

Sugestões para modificar o cenário

Muitos escrevem-nos e em várias mídias sociais: mas vocês só criticam (para qualquer um que criticar) e nunca apresentam soluções.

Vamos apresentar uma. Algum lado tem que ceder. O governo atual está cumprindo uma lei aprovada pelo Knesset em 2012, tornada contestada e tornada obrigarória naquele ano pela Suprema Corte. Por 12 anos, os governos protelaram a aplicação desta lei, inclusive os dois anos em que Bennet e Lapid estiveram no poder. Em 2024 a Suprema Corte encerrou a possibilidade de protelação, por ação dos partidos que não a aplicaram em sua própria gestão e por ONGs.

A lei é erradamente apresentada como de “recrutamento” militar dos hareidim, quando de fato é de “alistamento militar obrigatório”, como acontece no Brasil, por exemplo sem crítica política alguma: “Apresente-se a junta de alistamento militar no ano em que completar 18 anos”. Em israel rapazes e moças têm que se apresentar. E se apresentar não significa SER ACEITO para o serviço militar e que vai ser um soldado e que vai matar os outros.

O último dado público que se tem do pedido de alistamento emergencial após 7 de outubro, um número ótimo, de mais de 14 mil hareidim se apresentarem e 80% foram considerados não aptos para o serviço militar. Isso significa que a situação legal de 11.200 rapazes hareidim da faixa etária serviço militar e que não estão no exército, está absolutamente ok. Pode-se imaginar que a taxa geral de inaptidão será ainda maior contingente que não se voluntariou.

Portanto, os rabinos que mandam no partidos ortodoxos, mas não são os políticos eleitos, deveriam ter o discernimento para entender isso. Por outro lado, quem imaginar que as FDI querem absorver um grande volume de hareidim, vai estar imaginando errado. De fato, a oposição de a Suprema Corte estão obrigando as FDI a isto.

Pela sua parte as FDI deveriam deixar absolutamente claro que a grande maioria dos hareidim não serão alocados em unidades de combate. Fosse eu o comandante em chefe, tiraria todos os soldados comuns que estão nas cozinhas e colocava os hareidim lá para preparem e fiscalizarem as alimentações kosher obrigatórias nas forças armadas. Isso formaria uma mão de obra especializada deles, relevante. Intendência, contabilidade, mecânica, lavanderia, comunicações, existe uma infinidade enorme de funções não comabatentes, onde os hareidim podem fazer parte do exército sem o risco de violarem o que consideram seus preceitos éticos. Se houver combates no shabat, o princípio de Pikuach Nefesh, permanece, sendo permitido qualquer trabalho no shabat para salvar uma vida.

Vou dar dois exemplos da Segunda Guerra Mundial. Nos EUA havia muitos “opositores de consciência”, entre adventistas do sétimo dia e batistas. Não Matarás, para eles era um dogma impossível de romper. Apesar do texto original em hebraico ser Não Assassinarás, caso contrário não teríamos tido, nos tempos bíblicos, nem Macabeus, Hasmoneus, Saul, David e Salomão não teriam tidos seus exércitos e guerras constantes, não teríamos derrotado os amalequitas no Êxodo, nem conquistado Canaã. O rabi Akiva não teria se insurgido contra Roma e ungido Bar Kochba como seu chefe militar. Mas o governo americano entendeu. Ofereceu aos “opositores de consciência” funções burocráticas e aos que não tinha nenhum receio de combate, pois eram homens corajosos, só se recusam a matar, foram treinados como enfermeiros de combate, posição esta não portadora de armas naquela guerra em nas posteriores até a Guerra da Ucrânia e de Gaza, quando os médicos de combate estão armados.

O segundo exemplo foi a campanha publicitária feita para as mulheres norte-americanas: “O exército tem estas 239 profissões não combatentes para mulheres. Aliste-se e libere um homem para o campo de batalha”. Simples assim. Centenas de milhares de mulheres norte-americanas estavam em uniformes durante a guerra. Entre as profissões estava a de lenhadoras, pois a madeira era bem de produção de primeira necessidade, e elas passaram a derrubar árvores enquanto os lenhadores homens iam para o combate. Na Inglaterra praticamente todos os ônibus, ambulâncias, veículos e motos dos correios, metrôs e trens foram operados mulheres. Alguns dos trêns e metrôs por homens idosos. Em ambos os países o teste inicial de voo das aeronaves militares e seu transporte em voo das fábricas para a unidades de combate (na Inglaterra) e para os locais de embarque nos navios (nos EUA) eram feitos por mulheres.

Uma campanha destas de elencar as profissões, dentro das forças de defesa de Israel, onde os hareidim poderiam se encaixar, teria tudo para ser vitoriosa. Mas há percalços. Várias lideranças hareidim não aceitam que os rapazes tenham qualquer contato com mulheres nas FDI, muito menos em espaços confinados como veículos, também não aceitam que rapazes hareidim recebam ordens de mulheres. Mas estas questões precisam avançar lá entre eles. No início de junho, entrou na região de combate na Faixa de Gaza a primeira unidade 100% hareidi, provavelmente composta pelos voluntários de 2024, comandados por voluntários normais de turmas anteriores.

por José Roitberg – jornalista e pesquisador

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.