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Guerra – Vídeo das crianças em gaiolas é considerado falso em relação a guerra e a postagem inicial foi no dia 4 de outubro, 3 dias antes do início do conflito

Complicado. Viralizou pelo mundo inteiro. Existem pessoas no Tik Tok que capitalizaram mais de 320.000 views. Se você não assistiu, tem sorte. É um vídeo que mostra meninos caucasianos de cerca de 2 anos de idade dentro de uma gaiola para galinhas, em algo que parece ser um mercado de rua. Pessoas riem por trás e parecem falar árabe. Parte de uma inscrição na parede, aparece por um ou dois segundos e lembra a escrita árabe. Circulou como “crianças judias israelenses sequestradas em Gaza”, pelo lado judaico e cristão favorável à Israel, mas como “Árabes mostram troféus. Tenho a certeza de que estas crianças judias vão ser vendidas com um bom lucro no mercado de escravos do Oriente Médio, que existem em grande número”, por imbecis.

Conteúdo muito forte, não tem como ficar impassível. Todos reagiram como se fosse verdade. O ataque sanguinário do Hamas e os sequestros foram tão brutais existindo vídeos muito pesados postados por pessoas do Hamas que não havia porquê não acreditar. Aí, pessoas começam a dizer que era fake, mas sem dar qualquer dado que pudesse confirmar ser fake. Para determinar que algo é fake precisa provar, não basta alegar.

Menorah usou as mesmas ferramentas que as agências de notícias utilizam para obter origens de fotos ou vídeos, e não é nada demais. Apenas uma extensão gratuita que facilita o processo através do Google Chrome. Foi colocada em gratuidade pelo autor, exatamente para qualquer um poder utilizar – Invid-Weverify (precisa ir ao site deles e instalar, não tem na loja do Chrome). O resultado para nós foi o mesmo resultado que todos os jornalistas encontraram: zero. Não encontrar nada significa que em princípio pode ser verdadeiro.

Mas um fato chamava a atenção, em todas as divulgações no X, Tik Tok, Insta, Face e Zap o vídeo estava ou cortado no formato quadrado, ou nitidamente cortado embaixo e em cima, ou ainda com grandes áreas na parte debaixo e de cima cobertas com cores e textos. Isso levou o ponteiro novamente em direção ao fake, pois ao cortar ou cobrir a intenção é remover informação.

Durante a confusão estabelecida no dia 8, a Globo News de Pernambuco entrevistou Janine Ayala Melo, pernambucana de 30 anos que vive em Israel e tinha sido convocada como reservista. Ela dá a entrevista de uniforme, fuzil, pelo celular. Ela diz que existiam fotos de crianças judias em gaiolas em Gaza e que eram “filhos de pessoas que a gente conhece”. A partir disso, no Brasil apenas, o ponteiro girou muito forte para lado de verdadeiro, principalmente depois de uma ótima ativista por Israel, a “Priscila” publicar no Insta dela que “Janine, Brasileira que é soldado no norte de Israel acaba de confirmar que o vídeo com bebês, crianças enjauladas em um vídeo que está circulando por aí, SÃO DE CRIANÇAS QUE ELA CONHECE, FILHOS DE AMIGOS DELA, O VÍDEO FOI FEITO EM GAZA. Foram sequestrados. Crueldade sem fim.” E não foi isso que Janine disse. O que ela falou é o que está entre aspas mais acima. Pronto: quem conta um ponto costura um fake. O ponteiro cravou no verdadeiro até porque o vídeo da Globo News só foi colocado na Internet mais de 15 horas depois e não se podia confirmar o que Janine falou. Agora pode.

Quero recomendar a meu amigo de mais de 10 do excelente Pletz, e à Priscila que não conheço mas reconheço o ótimo trabalho que ela vem fazendo, que nenhum de nós pode imaginar estarmos numa corrida para ser o primeiro a dar uma noticia, ainda mais em caso de guerra. Se não for possível confirmar, não dê. Se achar estranho não dê. Adoro vcs, ok.

Na sequência, fora do Brasil, surge um árabe que é apenas um nick não identificável, um sujeito que é contra o Hamas e diz que o vídeo é falso e foi filmado em 2015 na Síria. Nem se consegue descobrir em que país ele está. Pelo menos 8 jornalistas europeus escrevem nos comentários perguntando a ele como ele sabia disso e se podia provar. Nenhuma resposta, até que um escreveu que para alegar que é de 2015 precisa provar. Depois se desinteressam.

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Pouco depois surge a postagem da esquerda no X e uma hora depois a postagem da direita num comentário no Face que tinha o vídeo publicado (a postagem, consequentemente os comentários, foi removida pelo autor). Um árabe, a esquerda, mostra que o vídeo original (agora com a tela inteira sem cortes) tinha sido postado 4D, ou seja 4 dias antes, portanto no dia 4 de outubro, três dias antes do ataque do Hamas. À direita foi um israelense que viu o vídeo e também está escrito 4 dias em hebraico – “lifnei 4 iamim”.

Infelizmente isso que hoje, no dia 9 para 10 de outubro mostra o fake, a partir do 13 será considerada a prova da verdade, pois 13 menos 4 dará dia 7 de outubro e assim por diante.

Curiosamente o israelense viu primeiro pois na tela se percebe que tinham sido 40 likes e 34 republicações, enquanto o árabe encontrou já com 55 likes e 261 republicações. Um número pequeno, mas razoável assistiu o original, talvez alguém tenha baixado.

Em ambos se pode ver qual usuário postou o vídeo. Uma das agências internacionais de checagem, a NEWS WONDERLAND, encontrou exatamente o mesmo que nós. O usuário “@user6903068251281“ que aparece impresso no vídeo tinha encerrado a conta no dia 9 (por não ter sido encontrada mais) e o vídeo original, consequentemente foi removido. Caem também todos os encaminhamentos e republicações. Infelizmente ambos, o árabe e o israelense, autores e publicadores dos print screens acima, não apresentaram uma cópia do vídeo original. Ainda não se sabe se eles a fizeram.

Em árabe, o que está escrito não tem nada a ver com o vídeo e é uma hashtag comum entre as publicações em árabe “Não existe solução para o povo chinês” (significando melhor – O povo chinês não tem jeito) algo que árabes e curdos usam no Tik Tok como admiração ao povo chinês, como uma expressão de gíria que entre os árabes significa “Você não pode dar jeito neles ou eles não tem conserto”, sempre vídeos de situações engraçadas ou pessoas fazendo bobagens.

“Oprimido em meu país”, seria o título do post, também muito usado em árabe, além de sete emojis chorando de rir (LOL).

O áudio em árabe com risadas existe em 694 vídeos diferentes do Tik Tok é não tem nenhuma relação com o vídeo das crianças na gaiola. Se não acreditar, pode ir ver sozinho no Tik Tok através deste link (precisa ter conta lá).

O Facebook já marcou todas as postagens com os vídeos e/ou fotos das crianças em gaiolas como sendo de crianças judias em Gaza, como fake confirmado.

Sem o aparecimento do vídeo original vai continuar existindo um mal-estar e uma incógnita. No momento, o ponteiro aponta para um vídeo verdadeiro com uma divulgação 100% fake alavancada por título e textos falsos com o agravante de cortes e cobertura de áreas nas edições. Sabemos como funciona pois monitoramos o crescimento das publicações falsas do dia 9 para o dia 10. A tendência é aumentar muito, pois as pessoas preferem o falso horrível ao verdadeiro que nos faz respirar com tranquilidade, afinal não são crianças judias, afinal não é Gaza e provavelmente é um vídeo de alguém fazendo alguma brincadeira de filmar as crianças assim, sem qualquer outra conotação.

Nesse vídeo e fotos falsas, praticamente todo mundo acreditou. Mas quando Israel divulgou oficialmente (e está até no vídeo do MFA – Ministério das Relações Exteriores) a foto de mais de 25 dos 260 corpos de jovens torturados e executados da rave, como foram encontrados numa tenda onde foram executados com tiros na nuca, aí as pessoas preferiram não acreditar. Mas é verdade.

Por José Roitberg – Jornalista e pesquisador

Abaixo exemplos de como estão sendo feitas as publicações fakes – clique para ver maior, se necessário

A da esquerda é do vídeo original intencionalmente cortado “Nossas Crianças em Gaza”. Só tinha 35 likes, portanto é anterior a da denúncia dos 4 dias.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.