Ir ou não ir é o dilema da peregrinação a Uman em Rosh Hashaná
Para os setores hassídicos judaicos que cultuam a memória do rabino Nachman da Bratislava, a peregrinação é uma tradição que se tornou obrigação. Ela acontece desde 1811, para relembrar um ano do falecimento de Nachman .
Antes disso, era costume dos amigos e seguidores de Nachman irem até ele para passarem o Ano Novo Judaico juntos, em Uman. Portanto, é uma tradição iniciada em vida e no século 18.
Os hassidim sempre determinaram que os problemas fazem parte da viagem, não importam quais sejam, e estão lá para serem superados pela fé e com a ajuda de Deus. Não é uma guerra entre Rússia e Ucrânia que desmotiva dezenas de milhares de seguidores a se programarem para a jornada.
O governo da Ucrânia não quer, pois obviamente não tem como se responsabilizar pela segurança destes ortodoxos que podem mesmo tomar um míssil russo em seus chapéus. Provável de acontecer. Impossível de impedir. A reunião em Uman é numa instalação absolutamente conhecida e mapeada.
Os antes 83 mil habitantes de Uman, querem que aconteça, pois é o ponto alto financeiro do ano para eles e a economia da cidade aprendeu a viver da peregrinação oferecendo tudo de kosher que se pode imaginar. Mas numa guerra, será que conseguem?
Existe uma demanda reprimida pois a última peregrinação foi a de 2019, antes da Ucrânia fechar suas fronteiras devido à pandemia. Mas também existe um gargalo da aviação internacional que está desmobilizada e uma impossibilidade não só de cruzar o espaço aéreo ucraniano, como de aterrissar em Kiev. Completamente impossível.
Então estes aviões precisariam chegar à Polônia, Romênia, Moldavia ou Bielorrússia e seus passageiros irem por solo até o centro da Ucrânia. Em guerra, com fronteiras militarizadas e absolutamente controladas, com estradas de fato perigosas mesmo no leste da Ucrânia? Praticamente impossível.
Duvido que os ortodoxos hassidim tenham a compreensão da realidade e do risco da situação atual que pode lhes custar a vida. Ainda lembro do grupo que ficou detido na fronteira da Bielorrússia tentando entrar de qualquer forma na Ucrânia durante a pandemia. Foi uma situação complicada.
Se não houver compreensão dos organizadores dos peregrinos de todo o mundo para declararem que é melhor não irem mais uma vez, poderemos estar diante de uma tragédia anunciada.
A data para este ano é 25 de setembro. Nada indica que a situação militar na Ucrânia estará melhor do que hoje. Mas, nunca se sabe. Será que as rezas dos místicos judeus podem abrir a consciência de Putin e encerrar o conflito?
Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador
Imagem: Ilustrativa da situação atual na Ucrânia com a área em vermelho controlada por tropas russas e a localização da cidade de Uman, o local da peregrinação.