Papa Pio XII defendeu a Igreja e não os judeus
É a conclusão que o autor David Kertzers teceu em seu livro “The Pope at War” (O Papa na Guerra), recém-lançado nos Estados Unidos. O autor e a equipe dele examinaram dezenas de milhares de documentos cujo sigilo foi retirado pelo Vaticano em 2021.
Todavia continuam existindo três linhas de pensamento sobre o Vaticano durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. A primeira afirma que o Vaticano nada fez para impedir o genocídio dos judeus. A segunda afirma que o Vaticano fez o que pode para salvar judeus. Já a terceira, na qual eu sempre me encontrei afirma que o Papa é dos católicos e não dos judeus; portanto ele deveria proteger os interesses católicos e não judaicos. Por que deveríamos imaginar que a Igreja que vilanizou os judeus a partir o instante em que foi criada pelo Imperador Constantino no Primeiro Concílio de Niceia (hoje na Turquia), no ano 325 EC deveria ter algum componente humanitário, nas décadas de 1930 e 1940 para salvar judeus do extermínio?
Ponto pacífico: a Igreja não é, nem nunca foi, representante dos judeus, podendo apenas representar os judeus que se converteram ao catolicismo.
E tudo indica que Kerterz, nas 484 páginas de seu novo livro, compilou da documentação oficial que confirma esta terceira e menos aceita tese. O livro anterior de Kerterz, “O Papa e Mussolini”, recebeu o Prêmio Pulitzer. É bom darmos ouvidos ao autor.
Foi encontrada enorme documentação do Vaticano, comprovando ao governo nazista o caráter católico dos filhos de casamentos mistos na Alemanha, onde o cônjuge católico não se converteu ao judaísmo e os filhos foram batizados. Por outro lado, pelas Leis de Nuremberg, se a pessoa tivesse um pai judeu ou dois avôs judeus era considerado judeu 50%, portanto, não cidadão do Reich. Sendo assim, a iniciativa do Vaticano deu em nada.
Com três avôs judeus era um judeu 75%, portanto não cidadão do Reich. Com apenas um avô judeu, era denominado “mutante”, judeu 25%, e cidadão do Reich. Cerca de 130 mil homens e mulheres estavam nesta situação. Os homens foram incorporados às forças armadas alemãs, em todas as patentes, chegando, durante a guerra até ao generalato e almirantado. Em 1943, todavia, todos com patente inferior a coronel foram retirados de suas unidades, enviados a campos e concentração, trabalho escravo e extermínio. Um punhado sobreviveu à guerra.
O drama dos judeus “mutantes”, como estado nazista os definiu, é diferente do drama dos outros judeus. Eram pessoas sem qualquer relação com o judaísmo, que se virão determinadas pelo estado como judias e não aceitas pelas comunidades judaicas por não serem judias. Informações completas sobre esta questão podem ser obtidas no livro “Os soldados judeus de Hitler”.
Kertez confirma com muitos documentos o que se sabia, sem documentação: o Vaticano fez sim um esforço institucional para converter judeus ao catolicismo e através disto estas pessoas obtiveram vistos para as Américas a partir de julho de 1938, quando a emissão de vistos para judeus oriundos do Reich foi suspensa por todos os países como decidido na Conferência e Evian, em Paris. No Brasil sabe-se que a maior parte destes imigrantes foi direto para Petrópolis e Friburgo, no Rio de Janeiro, onde é comum se encontrar pessoas absolutamente católicas com sobrenomes absolutamente judaicos. Nunca houve um movimento de retorno destes imigrantes de 1939-1940 ao judaísmo, com o receio óbvio (mas fantasioso) de que teriam sua imigração anulada e seriam deportados para a Alemanha.
Documentos do próprio Papa mostram que ele estava preocupadíssimo com o futuro dos católicos, caso os nazistas vencessem, e também caso os comunistas se impusessem.
Defender os interesses da Igreja era o dever do sumo pontífice daquela Igreja, e isto ele fez, não só evitando que as propriedades da Igreja fossem confiscadas pelo Reich, em troca do silencio do Vaticano sobre as atrocidades nazistas. Para termos uma medida exata deste tipo de situação, basta observarmos o Papa Ortodoxo na Rússia atual e suas atitudes em relação à Ucrânia.
Sequer a matança de clérigos católicos foi denunciada. Mas imagine um grande quarteirão, que o Vaticano, dentro da capital de Mussolini e depois cercado por tropas nazistas? O que fazer? Sacrificar-se pelos judeus? Quem pode imaginar isto?
Na Polônia as tropas de ocupação nazistas executaram metade do clero católico do país, em torno de 3.000 pessoas. O campo de concentração de Dachau, em Munique, ao longo do conflito recebeu 2.800 clérigos, dos quais 1.773 eram poloneses. Existem muitas outras documentações de clérigos católicos assassinados por tropas nazistas. Ademais, 600 clérigos de diversas religiões, são considerados “Justos Entre as Nações”, por Israel. São religiosos não judeus que ajudaram mesmo.
Um dos eventos documentados por Kerterz era até então absolutamente desconhecido. No dia 16 de outubro de 1943, já sob ocupação alemã, os judeus de Roma foram presos e levados para barracas que ficavam atrás do Vaticano, do outro lado dos seus muros. Eram 1.259 judeus já determinados a serem enviados para Auschwitz.
No dia seguinte, o secretariado do Vaticano pediu e recebeu autorização para ir às barracas verificar quais judeus eram batizados ou casaram-se na Igreja. Nos dias seguintes, o secretário de estado do Vaticano compilou uma lista que foi entregue ao embaixador alemão. Assim 250 judeus foram libertados e sobreviveram.
Procure ler este novo livro, ou em inglês, ou em português quando for publicado no Brasil.
Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador
Foto – Papa Pio XII, do arquivo estatal alemão