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Por que dois historiadores judeus estão sendo julgados na Polônia

As primeiras notícias vindas postadas nas mídias sociais estavam muito erradas. Davam a entender que a Polônia estava processando judeus, por coisas que eles tinham ou teriam escrito em relação ao Holocausto. Nas mesmas mensagens das mídias sociais, o texto dava conta que de o Yad Vashem se posicionou a favor dos historiadores judeus. De fato, as duas afirmações podem até ser consideradas corretas, mas tudo foi retirado do contexto criando uma imagem completamente errada do que sucede na Polônia.

O caso gira em torno de UMA FRASE do livro “Night Without End” (Noite Sem Fim), assinado pelos professores historiadores poloneses Barbara Engelking, membro Conselho Internacional de Auschwitz (órgão do governo polonês) e Jan Grabowski que vive no Canadá e é professor da Universidade de Otawa.

O livro trata das várias ações documentadas quando poloneses atacaram e mataram judeus durante a Segunda Guerra Mundial. A Polônia possui uma lei determinando que os crimes de guerra dos nazistas em solo polonês não sejam atribuídos aos poloneses. Mas este não é o caso deste processo, apesar disso ter sido entendido através das mídias sociais.

O processo é de ação privada entre a sobrinha neta de um prefeito e os autores. Nada tem a ver com o governo polonês ou a lei referida acima. O processo é por calúnia e difamação, no caso, imputar crime ao tio-avô dela. De forma estranha, tanto os autores quanto o Yad Vahsem estão baseando suas reações no “direito à liberdade de expressão”. Talvez seja a visão israelense. No Brasil e na Polônia, acusar alguém de ter cometido um crime, sem provas, não é liberdade de expressão. A frase que motivou a idosa Filomena Leszczynska a processar os autores menciona o massacre de 22 judeus da vila de Malinowo, POR SOLDADOS ALEMÃES (não por poloneses) e que o prefeito Edward Malinowski (o tio avô dela) “podia estar implicado” no fuzilamento (“may have been implicated in the local massacre”).

Ou seja, os autores não afirmaram que o prefeito foi responsável, e também não afirmaram que não foi, mas a construção gramatical da a entender que responsabilidade do prefeito.

O que podia fazer um prefeito polonês de aldeia, quando um pelotão de solados nazistas alemães entra na aldeia e demanda executar os judeus? Nada. A Polônia, como país, sequer existia após a ocupação alemã. O lado superior foi denominado como “General Gouvernment” composto pelos distritos de Varsóvia, Radon, Cracóvia e Lublin, e o lado sual, a Galícia, foi incorporado à União Soviética. De 6/out/1939, quando a Polônia capitula à Hitler até 22/jun/1941, quando as tropas nazistas avançam sobre a União Soviética, a ex-Polônia ficou dividida entre os dois invasores. E após isso, apenas com a Alemanha.

Ao longo deste período, incluindo o Levante da Cidade de Varsóvia, consequência do que ela foi completamente destruída, seis milhões de cidadãos civis poloneses foram mortos pelas tropas da Alemanha nazista. Três milhões de judeus e três milhões de católicos, sendo este número uma simples coincidência.

A Polônia é vítima do nazismo e nunca foi aliada do nazismo. Se prefere deixar para lá os países que foram aliados do nazismo como Hungria, Romênia, Tchecoslovaquia e Dinamarca e também as populações soviéticas “libertadas” pelos nazistas que passaram a incorporar suas forças armadas, como ucranianos, lituanos, estônios, iugoslavos, croatas, bósnios, italianos e franceses. Os poloneses não compuseram unidades das tropas nazistas.

Os advogados de Filomena Leszczynska entraram com uma ação de 22 mil euros e uma retratação pública do nome do tio avô dela. Segundo declaração no tribunal, ela afirma que, pelo contrário, a família ajudou os judeus na guerra. Há 7.000 poloneses católicos com o título de Justos Entre as Nações, concedido pelo Yad Vashem.

Pelo que se sabe documentalmente, e provavelmente faz parte do livro em questão, a grande maioria dos poloneses civis católicos que assassinaram poloneses civis judeus aproveitando a ocupação nazista, principalmente para roubar seus imóveis, negócios e bens (crimes comuns com o escopo do genocídio) e que sobreviveram à guerra, foram entregues por outros poloneses, como colaboradores dos nazistas, presos, julgados e executados pelo governo comunista que se instalou.

Por José Roitberg

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.