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Saiba como eram transportadas as enormes pedras de calçadas do Rio Antigo

Começando o ano com uma curiosidade sobre o Rio de Janeiro. É a cidade do granito. Quando os portugueses perceberam que nossas montanhas continham uma matéria prima preciosa para a construção do tecido urbano, não hesitaram: puseram os escravizados a trabalhar nas pedreiras e como picadores de pedras. Depois de trabalho escravo nas minas, picar pedra deveria ser horrível. Mas era a realidade da época.

Ao andar por ruas antigas mais preservadas em Botafogo, Centro e Gamboa se pisa naquelas placas enormes de granito nas calçadas. Se prestar atenção, verá que a maioria dos meios-fios da cidade são igualmente de granito. Isso sem contar o antigo calçamento de paralelepípedos (granito), batentes estruturais de portas, janelas e casas dos séculos 19 e ainda do 20, também em granito.

Não seria tolice imaginar que o granito era uma comoditie do século 19 tão importante quanto o aço no século 20. E o Rio de Janeiro era riquíssimo. Apesar de tudo que foi explorado, as montanhas ainda estão aí. Algumas não. Algumas foram integralmente removidas e utilizadas tanto na construção quanto nos aterros que permitiram o tecido urbano se expandir sobre o mar.

Na foto moderna (do autor) temos três enormes pedras de calçamento, recentemente removidas em Botafogo. São do início do século 19, provavelmente com mais de 180 anos, devido a rua onde se encontram.

Pode-se ver que são enormes e espessas. A parte inferior está virada para cima e também fica a curiosidade, que seria uma obviedade, de que a parte de baixo não precisava ter o acabamento plano da parte de cima e as irregularidades, provavelmente, ajudavam a sua fixação. Aliás, não há o que discutir sobre esta tecnologia pois as pedras de 100, 150 e 200 anos atrás ainda estão em uso e nos seus devidos lugares, exceto quando a força viva da natureza, as raízes das árvores igualmente centenárias preponderam.

O granito é uma das pedras mais pesadas podendo o metro cúbico variar de 2.600 a 3.000 kg (3 toneladas). Como isso era transportado? Aí entram as outras duas fotos pouquíssimo conhecidas. Carroça de carga para transporte de pedras de calçamento !!!

É obvio que existia uma escala industrial para calçamento de ruas e praticamente zero de história registrada. A foto horizontal (do acervo da Getty) é de 1914 e mostra a carroça quase de frente, transportando uma pequena carga de paralelepípedos, talvez duas toneladas. Além das rodas gigantescas, existe uma plataforma, suspensa por pesadas correntes, consideravelmente abaixo do centro de gravidade do veículo, “facilitando” o manuseio das pedras e também garantindo a estabilidade no percurso.

Com a massa abaixo do centro de gravidade, é impossível esta carroça altíssima tombar. Possivelmente é um projeto do século 19 que merece uma pesquisa histórica por si só. Como eram fabricadas estas rodas enormes? Me arrisco a dizer que uma carroça desta vazia devia pesar três toneladas no mínimo. Acima, existe uma segunda plataforma com uma caixa de madeira, provavelmente para transportar ferramentas.

A foto quadrada (do acervo da Getty) é de 1923 e mostra o transporte de duas pedras de calçamento, portanto são 5 toneladas de carga, demonstrando que este método de transporte de cargas era eficiente e foi fundamental na construção do tecido urbano do Rio de Janeiro. em 1923, talvez este sistema já estivesse em uso por 100 anos, não mais através da exploração de mão de obra escravizada, mas de trabalhadores. Ao fundo existe um pequeno cinema de esquina, que não sabemos qual é, com a chamada “Homem, Mulheres e Matrimônio”.

Por José Roitberg – jornalista e pesquisador

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.