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Saiba como o sevivon-dreidel foi criado no judaísmo

Por José Roitberg

Um dos elementos indissociáveis do Chanucá moderno é o pião com o qual as crianças brincam. Ao perguntar a qualquer judeu, qual é o significado das quatro letras em suas quatro faces, a resposta será imediata: “O Grande Milagre Aconteceu Lá” (Nêss Gadol Hayá Sham,, em hebraico). Lá, é Jerusalém. O milagre é o da duração do óleo por oito dias e não a vitória militar sobre os gregos. Mas essa frase é uma interpretação do século 20.

Na Enciclopédia Judaica de 1906 (a original norte-americana), o sevivon não consta do verbete ‘Hannukah’, e sim do verbete brinquedos e jogos, definido como um brinquedo típico de Chanucá denominado ‘trendel’, em polonês: algo que gira. O motivo é simples. Ao contrário de muitas instâncias do judaísmo, o termo ‘sevivon’ tem autor e data de criação registrada na história, apesar de ser conhecimento enciclopédico. Sevivon vem da raiz semítica ‘SBB’ (samek beit beit), algo que gira, igual ao termo em polonês. Faz todo sentido. Atualmente seria um ‘spinner’.

O criador do termo foi ninguém menos que Itamar Ben-Avi (1882 Jerusalém-1943 Nova Iorque), considerado o pai do hebraico do século 20. Ele inventou a palavra ‘sevivon’ em 1887, aos cinco anos de idade, na Jerusalém Otomana e isso não chegou ao conhecimento dos editores da Enciclopédia de 1906, entre eles vários rabinos muito importantes do século 19, porque ainda não havia sido difundido através do mundo judaico.

O pai dele, Eliezer Yitzhak Perlman (1858-1922) foi um dos expoentes para o renascimento do hebraico como língua nacional judaica, abandonando o conceito de ‘Lashon HaKadosh’ (língua sagrada apenas para a leitura da Torá). Eliezer era jornalista, editor e estudioso do hebraico, e decidiu criar sua família apenas com a língua hebraica, em Jerusalém. Foi colocado no ostracismo pelos religiosos que preferiam o ídiche e árabe. Para se ter uma noção de como era a vida em Jerusalém nas últimas décadas do século 19, a mãe de Itamar faleceu de tuberculose em 1891 aos 20 anos de idade. Ela teve quatro filhos aos 16, 17, 18 e 19 anos de idade. Os três irmãos dele morreram de difteria.

AS ORIGENS DO SEVIVON-DREIDEL E DE SUAS LETRAS

Ao longo da Idade Média superior os judeus foram tomando contato com jogos, como dados, xadrez, cartas e o ‘tee-to-tum’, o jogo de pião rapa-tudo, criado na Inglaterra. Este jogo chegou aos judeus na virada do século 18 para o 19, na Alemanha, em cuja língua as letras eram G – Ganz (tudo), H – Halb (metade), N – Nichts (nada), e S – Stell (colocar). Como o ídiche era basicamente o alemão transliterado para o alfabeto hebraico, em ídiche as letras ficaram assim: Gimel – Gantz (tudo), Hei – Halb (metade), Nun – Nicht (nada),e Shin – Shtel arayn (colocar). Apenas isso.  Não havia qualquer significado místico, ou voltado à religião, ou voltado à milagres. Em inglês se diz None, Get, Half e Share.

Sevivon fora de Israel

Em algum momento no século 20, um rabino muito inteligente, cujo nome não ficou preservado na história, percebeu que as iniciais podiam representar também ‘Nes Gadol Haya Sham’ e isso se consolidou com muito sucesso (acima). Quando esta interpretação chegou à Palestina do Mandato Britânico, os hareidim residentes perceberam que ‘sham’, lá, não fazia sentido e criaram outro sevivon onde a letra shin foi substituída pela letra pei, para a palavra ‘Pó’, em hebraico: aqui. (abaixo)

Sevivon em Israel.

O pião é conhecido por outros nomes: ‘drehel’ em alemão, algo que gira. O verbo girar é ‘dreyen’ e daí vem o termo em ídiche ‘dreydl’ (algo que gira), por sua vez re-transliterado para o inglês como ‘dreidel’.

Em 1890 surgiu a primeira interpretação mística colocando o pião na antiguidade, citada por vários autores de história contemporânea. Esta interpretação mística determina a existência dos piões exatamente na época do domínio Selêucida, quando os gregos dominaram Judah e Jerusalém, inventando que os judeus que estudavam a Torá em segredo em cavernas, crime punido com execução sumária. Curiosamente quem inventou esta estória, não fazia ideia de que os essênios tinham escondido dezenas de rolos e livros do século 2 AEC em cavernas. Justamente devido à perseguição grega.

Na estória de 1890 à chegada de soldados gregos escondiam a Torá e brincavam com piões. Em interpretações hassídicas místicas, a estória é diferente. Os rolos de Torá (seres vivos e mágicos) se transformavam em piões para enganar os gregos. Ambas as versões são belas fantasias do século 19 e não definições ancestrais do judaísmo. Mesmo hoje, há uma porcentagem dos judeus com a certeza de que o rolo da Torá tem vida.

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Obviamente sendo uma criação do século 19, não consta nem da Torá, nem do Tanach, nem do Talmud ou de qualquer dos livros apócrifos (banidos do judaísmo desde o ano 90 EC). Sendo assim, tal e qual as sinagogas, a chanukiá – o candelabro de nove velas da festa de Chanucá, e a quipá, inexiste qualquer restrição ou norma teológica para sua configuração, arte, formato, desenho, tamanho e cor.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.