100 mil israelenses foram às ruas contra a reforma judicial proposta. Entenda o que está em jogo.
Este é um artigo de opinião.
Tenho observado judeus no Brasil e judeus em Israel afirmando que a situação entre governo de Bibi Netanyahu e a Suprema Corte de Israel é igual a do STF com estado brasileiro. Não é.
A reforma judicial proposta pelo ministro da justiça Yariv Levin que alterar a forma como os juízes da Suprema Corte, a última instância, são escolhidos e tornar a Corte sujeita ao Parlamento. Isto é, caso a Suprema Corte derrube uma lei ou tome uma decisão jurídica que desagrade a coalizão no poder, o Parlamento poderá reverter tal decisão ou reinstalar a lei derrubada.
Mas isso não significa que a coalizão Likud-Ultra-ortodoxia pretende mudar isto para sempre em Israel. Querem mudar isto para agora, em benefício deles. A situação sequer pode ser definida como semelhante a brasileira. Aqui o STF descondensou dezenas de pessoas, condenadas em segunda instância por crimes de corrupção, em processos iniciados no governo do PT, julgados durante o governo do PT e do MDB, e anulados durante o governo de Jair Bolsonaro.
Em Israel, Bibi Netanyahu quer uma Suprema Corte que anule os processos a que responde, aliás processos absolutamente estagnados que não andaram por dois metros ao longo do governo anterior de Lapid-Gantz. Processos estes iniciados durante governo anterior do próprio Bibi. Pode ser uma idiotice o que vou afirmar: se a promotoria de fato tivesse provas que levassem a condenação de Netanyahu o julgamento teria acontecido anos atrás. Ou será que existem provas e o poder de Bibi e as manobras de seus advogados de fato conseguirem adiar, por enquanto ad infinitum o julgamento?
Sobre a questão do parlamento poder se sobrepor às decisões da Suprema Corte, parece ser uma cláusula muito estranha, pois a reforma judicial prevê a remoção dos 15 juízes atuais, escolhidos pelo presidente de Israel a partir de uma lista elaborada pelo Comitê de Seleção Judicial, que determina todos os juízes de todas as cortes e instâncias em Israel desde lei aprovada em 1953.
Era o segundo Knesset com uma configuração totalmente diferente da atual, absolutamente socialista: Mapai (Partido dos Trabalhadores de Israel) 45 cadeiras; Sionistas Gerais 20; Mapam (Partido Unido dos Trabalhadores) 15; Partido Mizrahi 8; Herut (de Menahem Begin que originaria o Lkud) 8; Partido Comunista de Israel com 5 cadeiras e outros nove partidos menores.
A justificativa para a lei de 1953 era a tornar o poder judiciário israelense totalmente independente da política. Agora em 2023 a maioria do Knesset quer tornar o poder judiciário israelense totalmente dependente da política com os juízes da Suprema Corte indicados pelo parlamento. O que também é diferente do sistema brasileiro onde os ministros do STF são indicados pelo presidente, aprovados ou não pelo Senado. Nunca vimos o Senado recusar uma indicação no Brasil, ou será que já aconteceu?
Me parece, e deixo claro que é opinião minha, que Bibi está inspirado no que o PT realizou no Brasil e entendeu que ao conseguir colocar 15 juízes na Suprema Corte, lá também com aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade, ele conseguirá passar todas as leis que pretender e também torpedear pelos próximos 10, 20 ou 30 anos qualquer governo que vier em seguida.
É evidente a todos que apenas a Suprema Corte está entre a democracia de Israel que não atende os hareidim (minoria) e a democracia de Israel não atenderá a grande maioria da população. Com uma Suprema Corte própria os partidos ortodoxos vão aprovar e garantir suas leis sobre o restante da população. Eu já ouvi de rabino no Rio: “Que ótimo que o governo de Israel finalmente está nas mãos dos ortodoxos.”
Mas não podemos deixar de anotar que entre os partidos ortodoxos que exigem a mudança judiciária, estão muitos parlamentares cujas bases militam há anos para não aceitação de lei civil, das ordens da polícia e principalmente das decisões da Suprema Corte que, para eles, não tem validade, principalmente quando garantem condenações por fraudes, violência e até mesmo por abusos sexuais contra membros de suas comunidades ortodoxas e hareidim.
Em meados de 2022 num dos casos de indiciamento por abuso sexual em Mea Shearim, testemunhas hareidim depuseram em juízo afirmando que seus principais rabinos declaram que “prestar queixa à polícia é uma ação contra Deus”. Então os representantes deste pensamento querem destruir um sistema judicial independente e estabelecer um sistema judicial deles, que depende deles e ouça as “necessidades democráticas do segmento deles”. Esta é uma questão primordial: o segmento da sociedade israelense anti-polícia e anti-justiça afirma que não é atendido em suas demandas contra a polícia e contra a justiça, pelo governo Israelense. É complicado.
Novamente, parece com situações no Brasil mas não é nada igual. Impossível comparar os hareidim com Boulos, Freixo e o PSOL abertamente anti-polícia.
Um dos exemplos da intenção fundamental de desrespeitar as decisões judiciais partiu de Arie Dery, o bi-condenado ministro do interior. Afirmou que se a Suprema Corte o retirar do ministério ele não vai cumprir e não vai sair. Mas quem somos nós, brasileiros, já sem qualquer condição moral de criticar Israel ter um ministro condenado por fraudes fiscais e pequena corrupção, a vista da lista imensa de processos e condenações dos ministros do governo atual. Israel até que se sai bem: é apenas um lá.
Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador
Imagem: Menorah do Knesset foto de Ronaldo Gomlevsky