80 anos do Levante do Gueto de Varsóvia
Foi em 1951 que o Knesset aprovou uma resolução criando o “Dia em Memória do Holocausto e Levante do Gueto”. Até 1958, quando o Yad Vashem foi inaugurado em Jerusalém as cerimônias aconteciam no ‘kibtuz Lohamei ha Getaot’ (literalmente Combatentes dos Guetos, na região de Naharia, na Galileia. Lá, até hoje existe um museu dedicado à resistência judaica durante o Holocausto, e toda a documentação que existe sobre o tema. Foi fundado, em 1947 por 176 ex-combatentes de vários guetos, sobreviventes que decidiram ir para Israel. Alguns poucos ficaram na Europa preferindo se inserir nos regimes comunistas do Leste Europeu.
Estes 176 homens e mulheres, já todos falecidos, foram a única linha de defesa contra as tropas do Líbano, no norte de Israel, durante a Guerra da Independência. Como tinham ampla experiência de combate no Levante do Gueto de Varsóvia, no Levante da Cidade de Varsóvia e vários, como partisans nas florestas, nenhum soldado libanês passou. Nenhum membro de Lohamei a Guetaot foi morto na guerra de 1948-1949. Curiosamente, nenhum dos combatentes do Gueto de Varsóvia pereceu no levante da capital polonesa. A pouca experiência de um mês de combate contra as tropas alemães e ucranianas no gueto os tornou especialistas no combate urbano.
Na cerimônia de hoje no Yad Vashem, muitas personalidades políticas israelenses falaram. Entre elas o presidente Herzog que chamou a atenção para um Dia de Memória diferente de todos os outros onde os ânimos estão carregados e os ombros tensos: é preciso união, conclamou o presidente de Israel.
Bibi Netanyahu fez um discurso demasiadamente político afirmando que vitórias do passado não garantem vitórias no futuro e que o desejo de exterminar judeus continua através do Irã, que Israel tem ser apto a se defender de qualquer inimigo e ainda avisou aos terroristas que Israel vai tomar todas as medidas necessárias. Meio que um discurso padronizado.
Yair Lapid o líder da oposição também discursou. Não no Yad Vashem, mas no kibutz Yad Mordechai (aliás, Yad Mordechai Anielevicz, em homenagem ao comandante que ficou imortalizado como ícone da esquerda judaica, mas que de fato pertencia ao Betar, possuía instrução militar do exército polonês e foi enviado ao Dror para treinar os jovens da esquerda judaica (em muito maior número) e comandá-los em batalha, com sucesso, mas tendo sido morto nos combates. Yad Mordechai também foi o ponto de retenção das tropas egípcias, em 1948, vindas da Faixa de Gaza. Há um museu muito bacana e moderno lá, as trincheiras de 1948-1949 e uma estátua de Anielevicz. A palavra “yad” em hebraico tem o significado mais conhecido como o instrumento para apontar o texto da Torá enquanto é lido evitando correr os dedos pelo pergaminho e pela tinta e o muito utilizado e por vezes não entendido fora de Israel, “memorial ou monumento”. E isso não se trata de hebraico moderno pois foi utilizado na Torá em Isaias 56:5 e Samuel II 18:18.
Mas Lapid perdeu uma das grandes chances dele de ficar de boca fechada. Como aluno formado no Yad Vashem, em Filosofia do Ensino do Holocausto, não tenho receio nenhum em sentar o verbo no Lapid, pelo que ele disse hoje, em caráter oficial. Sobre os judeus que foram mortos no Holocausto, quase seis milhões, Yair Lapid declinou a seguinte ostra, pois não foi uma pérola: “Por que eles não lutaram? A única resposta possível é porque eles eram boas pessoas e eles não acreditavam na existência do mal”? Isso é uma fala revisionista do Holocausto! Ele conseguiu ser inédito e jamais tamanha asneira foi dita sobre os judeus trucidados pelos nazistas!
Eu juro que se estivesse em Israel, mandava dois ou três livros pro Lapid ler.
Resumindo o Levante do Gueto. Em 1943 dos mais de 250.000 judeus que foram entulhados no Gueto de Varsóvia, cerca de 56.000 ainda estavam lá. Existiam duas organizações combatentes: a ZZW do Betar, criada já na primeira semana de confinamento no gueto em 1939, que escavou e controlava o único túnel que dava acesso à cidade de Varsóvia, no porão de seu quartel general, com um efetivo pequeno de menos de 400 rapazes e moças. Era comandada por um judeu, Paweł Frenkiel, tenente do exército polonês (sem experiência de combate) que não tendo fugido pro lado soviético da Polônia ocupada, não foi executado pela NKVD de Stalin na floresta de Katyn junto com todos os oficiais, policiais, políticos, advogados e professores poloneses do lado de lá. Somente três sobreviveram.
Se alguém quiser saber o destino dos soldados e oficiais poloneses judeus antes e depois da invasão de Hitler e Stalin, é simples. As tropas alemãs nazistas tinham ordens de executar sumariamente qualquer militar polonês judeu. E o fizeram. No começo da guerra a ordem geral de não fotografar, sob pena de execução, era seguida. Depois isso foi deixado de lado. Há uma lenda de que os militares judeus se voluntariaram para a primeira linha de frente ante ao avanço alemão, mas este pesquisador aqui considera mais plausível que o comando polonês tenha mandado os judeus para morrerem primeiro. Isso nunca será esclarecido. Os que fugiram para o lado soviético e eram soldados e sargentos, acabaram sendo incorporados ao exército soviético em unidades convencionais, ou na unidade judaica de guerrilha comandada pelo coronel Grinzpan, que depois viveu parcialmente incógnito no Rio de Janeiro, onde está sepultado. Grande herói, não queria falar sobre o assunto. O respeitamos e que esteja descansando em paz. Os oficiais foram executados na floresta de Katyn, não por serem judeus, mas por serem oficiais
A missão básica do ZZW durante o Levante do Gueto era utilizar o túnel para retirar o maior número de judeus não combatentes possíveis de lá, durante a noite. Funcionou nos três primeiros dias. No quarto, as tropas alemãs montaram uma emboscada fora do gueto, onde mataram quase todos, inclusive dois dos comandantes do ZZW que já tinham saído, mas voltaram ao gueto por três vezes. Três judeus conseguiram escapar da emboscada, acabaram se unindo à partisans e um sobreviveu. Por isso, sabe-se o que aconteceu. Na emboscada, segundo o general Stroop, foram mortos 203 judeus e 35 poloneses fora do gueto. Estes eram da resistência e tinham por missão levar os judeus para algum local seguro.
O segundo grupo, majoritário era o ZOB, comandado por Anielevicz que uniu todos os movimentos juvenis de esquerda no gueto e também um pequeno grupo de jovens do Bnai Akiva. No total eram 600. A missão deles era combater os alemães para dar tempo ao ZZW de evacuar os não combatentes. Mas no terceiro dia o plano inicial deixou de existir e a missão de todos, ZZW e ZOB era combater até a morte.
O ZZW foi destruído primeiro. Seu quartel general ficava num prédio numa praça que havia no gueto e as tropas alemãs levaram vários dias para conseguir matar todos e destruir a edificação. Há anotações no diário do general alemão dele não compreender quem era o inimigo. Acreditava que não eram civis. O ZOB ainda combateu por mais três semanas. Vencer era apenas adiar a derrota por mais uma hora.
A situação começou a mudar quando o general alemão Stroop enviou para dentro do gueto um batalhão da SS Ucraniana que tinha ódio profundo aos judeus, mais ainda que os soldados alemães. Aí os prédios começaram a serem explodidos, sem ou com judeus dentro ou nos porões. Soldados ucranianos com lança-chamas trucidaram porões inteiros cheios de mulheres e crianças judias. Apesar da luta contra algumas centenas de civis armados, o massacre foi de algumas dezenas de milhares de civis desarmados e escondidos. O relatório oficial dele é conhecido e conta com a anotação dia-a-dia de quantos judeus foram mortos, feridos e capturados.
Ninguém esperava que os judeus vencessem. Era de fato impossível. O resultado final aceito historicamente é de 17 soldados nazistas mortos e 92 feridos de um contingente de 2.090 empregado. Do lado judaico foram trucidados 20.000 e outros 36.000 capturados e enviados para os campos de extermínio de Treblinka e Maidaneck.
Já chegamos a um momento histórico quando não se pode mais propagar o mito da esquerda judaica de que o Levante do Gueto foi uma exclusividade dela. Ninguém pode duvidar, nem por um segundo que existindo apenas um túnel para sair e entrar no gueto, em posse e guarda pelo Betar, os outros comandantes da esquerda judaica, o próprio Anielevitch, os correios, o contrabando de armas realizado pelo ZOB, não eram em comum acordo com o Betar e o ZZW.
O Levante do Gueto de Varsóvia não teria sido possível sem a colaboração total, ainda que eles mesmos decidindo lutarem separados, entre a direita política judaica e a esquerda política judaica.
Depois da guerra, com a União Soviética de Stalin ocupando a Polônia inteira desta vez, o governo foi instruído da insignificar e remover da história as referências e documentos relacionados com o ZZW e o Armia Krajova polonês, por serem grupos militares de direita política e enfatizar a presença única dos movimento socialistas no Levante do Gueto.
Existe um segundo conceito há muito esquecido. A última vez em que os judeus pegaram em armas contra um inimigo externo tinha sido no ano 66, no início da Guerra dos Judeus contra os Romanos que se encerrou no ano 70 com a destruição de grande parte da cidade de Jerusalém nos combates entre os Zelotes, os fundamentalistas religiosos judeus da época contra os judeus que preferiam continuar como província de Roma e em seguida, com a eliminação dos Zelotes o Segundo Templo também foi destruído, daquela feita, pelos romanos. A guerra ainda se estenderia até o ano 72 EC, apenas em Massada, onde resistiram as últimas dezenas de Zelotes que decidiram matar-se e os restantes cometerem suicídio ao invés de caírem sob jugo romano.
Massada e Varsóvia não tem nada a ver um com o outro. Em Varsóvia o combate foi até a morte. Em Massada o homicídio-suicídio coletivo foi a opção ao combate até a morte. Do 1no 70 até 1943 os judeus se autodeterminaram uma diáspora de cabeça baixa, implementando 1.873 anos de passivismo diante dos inimigos que podiam nos matar por qualquer motivo e ao seu bel prazer. Até o Levante do Gueto de Varsóvia pouco mais de 2 milhões de judeus ainda haviam enveredado pela filosofia passivista, onde o judeu se considerava como vítima de direito dos outros, fossem católicos, fossem muçulmanos.
Coube aos jovens, quase todos menores de idade, dos movimentos juvenis de direita e principalmente de esquerda judaica, não contaminados pelo passivismo judaico polonês, quebrar o ciclo terrível e voltar a lutar pela própria vida e pelas vidas de suas comunidades. Ainda assim, nos dias de hoje, grande parte do “establishment” rabínico continua a pregar o passivismo. Dizem eles: “melhor apanhar do que bater, melhor ser roubado que roubar, melhor morrer que matar”. Mas esta contaminação teológica não se reflete no Estado de Israel, onde é melhor derrotar o inimigo que ser exterminado!
Se você tiver o contato do Yair Lapid, mande pra ele.
Por José Roitberg – jornalista e pesquisador
Imagem: alguns dos 36 mil judeus deportados para os campos de extermínio de Treblinka e Maidanek, capturados durante o mês que durou o Levante do Gueto de Varsóvia. Foto em domínio público colorizada pelo autor.