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A porca judia está em novo julgamento na Alemanha

A escultura é uma das trinta versões que existem em igrejas católicas através da Europa. Mas esta tem um significado especial. Tem 700 anos e está na fachada da igreja da cidade alemã de Wittemberg. Precede em quase 200 anos o Martinho Lutero, mas esta foi a igreja principal onde ele pregou a cisão com o Papa e criação do Protestantismo.

Michael Duellmann, 78, um judeu alemão vem lutando na justiça pela remoção da estátua desde o ano de 2019, quando duas cortes de primeira instância negaram o pedido. Agora o caso chegou a Corte Federal, cujo juiz pediu até 30 dias para dar o veredito. As decisões de primeira instância determinaram que a porca judia “é uma testemunha daqueles tempos”. Perguntamos: quais tempos? Não é uma estátua que foi vista no século 14. É uma está que é vista desde o século 14, portanto a mensagem anti-judaica é constante pelos últimos 700 anos.

Chega a ser impressionante a facilidade como os movimentos negros organizados tem de remover ou derrubar as estátuas de personalidades históricas que foram de fato propagadoras da escravidão e a impossibilidade dos judeus se livrarem do antissemitismo católico lavrado em pedra e bronze. Deveria ser iniciativa da Igreja alemã a remoção, por conta própria. A impressão que fica é de que a Igreja não remove porque concorda.

Peço ao leitor para observar com atenção a Judensau (literalmente porca judia). Os judeus, crianças e adultos são mostrados com o chapéu pontudo obrigatório aos judeus para uso na rua em vários períodos da Idade Média germânica. As crianças estão tomando leite nas tetas da porca, uma ilação pejorativa direta com a altivez de Rômulo e Remo mamando nas tetas da loba e o adulto, levanta o rabo do bicho para comer seus excrementos. Uma terceira criança, a direita, imita o adulto e come excrementos de um filhote de porco.

A estátua fica a 4 metros de altura do solo, onde em 2020 a igreja concordou em criar um singelo memorial à morte dos seis milhões de judeus no Holocausto, e também colocou uma placa explicando o que é a estátua a ligação dela com o antissemitismo.

Mas o leitor percebeu existirem duas inscrições. Elas foram mandadas lavrar pelo próprio Martinho Lutero em 1570, para combinar a estátua com a gravura que ele publicou no seu primeiro livro antissemita, denominado “Os Judeus e Suas Mentiras”. Portanto, acima temos “RABINI”, que é uma referência aos rabinos e Martinho Lutero determinou que o comedor de fezes era um rabino, representando todos os rabinos. Abaixo existe a inscrição que praticamente nenhum judeu mais sabe o que significa, mas na Idade Média, sabiam: “SCHEMHAMPHORAS” ou “shemhamphorash”. É a palavra que designa o conjunto de 72 nomes de Deus no Tanach (todos os livros da Torá, além dos cinco primeiros, do Pentateuco). Portanto era algo absolutamente judaico e reconhecível, hoje é praticamente indecifrável.

Wittenberg é uma cidade de contos de fadas, com apenas 50.000 habitantes, relativamente próxima à Berlim. Foi lá que Martinho Lutero pregou suas 95 teses no século 16. E em 1933 no início do regime nazista, aconteceu lá o sínodo de ‘Vitemberga’, quando o ativista protestante Ludwig Müller foi eleito bispo da Igreja do Reich.

Este é um ponto perfeito para se falar do antissemitismo nazista-protestante durante o Holocausto. Hitler praticamente removeu a religião, tornando o nazismo praticamente um objeto de culto, tendo a ele, Adolf Hitler como a figura principal a ser cultuada. Mas não aboliu a religião, nem a católica, nem a protestante. O processo de migração de cultos para o culto nazista foi natural. Só que ambas as igrejas continuaram existindo.

Um número muito grande de clérigos católicos, tanto homens quanto mulheres acabaram encarcerados e mortos em campos de concentração, por resistirem enquanto o Papa, apenas preservou, em acordos, as propriedades da Igreja Católica que não foram confiscadas pelos nazistas.

Já os protestantes alemães, aderiram ao nazismo de peito aberto. Este sujeito, o Ludwig Müller, começou em 1905 como auxiliar de pastor protestante. Em 1909 recebeu sua própria igreja. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi capelão da Marinha Imperial Germânica.

Aderiu ao Partido Nacional Socialistas dos Trabalhadores Alemães em 1931, enquanto foi capelão do exército alemão na Prússia Oriental (hoje a maior parte da Polônia) entre 1926 e 1933. Em 1932 ele fundou e se tornou líder o Movimento Cristão Alemão (Deutsche Christen – DC)

Em 1933, Hitler funda a Igreja do Reich e pretende que Ludwig Müller seja seu líder, mas a Federação de Igrejas preferia outra pessoa. Hitler usou as SA para prender e intimidar apoiadores do outro nome, permitindo assim que o número de votos dados a Müller superasse a preferência clara da maioria.

Uma de suas missões era nazificar a Igreja Protestante Alemã na totalidade. No final de 1935 ele aceita seu fracasso e desiste. A Gestapo então prende cerca de 700 pastores da Igreja Confessional, opositora da Igreja do Reich e com isso a nazificação se dá.

Mas em 1937 Hitler perde o interesse pelas igrejas e motiva o culto direto ao nazismo. Ludwig Müller é uma das lideranças nazistas pouco conhecidas, mas importante para compreender o protestantismo tanto a favor do nazismo como contra o nazismo. Comete suicídio (como tantos outros) após a Alemanha se render.

A síntese do pensamento de Ludwig Müller é simples: ‘Jesus Cristo era ariano e deplorava o cristianismo em sua forma atual por considerá-lo “ter sido corrompido pelos judeus”’. Ou seja, para a liderança protestante nazista, oriunda dos ensinamentos antissemitas do século 16 de Martinho Lutero, os judeus eram culpados pelo catolicismo da primeira metade do século 20.

Foto – Judensau de Wittemberg, Wikipedia

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.