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Alguns intelectuais judeus conclamam boicote dos Jogos de Inverno em Pequim, pelos uigures. Isto é correto?

Custou caro. Foi um anúncio de página inteira da edição do jornal The New York Times, de sábado 29/jan/2022 pago pela  Fundação para a Humanidade Elie Wiesel (sobrevivente do Holocausto e um dos principais escritores sobre o tema), contando com as assinaturas do filósofo judeu francês Bernard-Henri Levy; Natan Sharansky, opositor de consciência ao comunismo soviético, passando nove anos preso em um Gulag, político israelense membro do Likud passando por vários cargos de ministro e presidindo a Agência Judaica de 2009 a 2018; e Elisha Wiesel, o filho de Elie Wiesel. Elie recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 1986.

Estes apenas três ativistas propõe o boicote geral aos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, que se iniciam daqui a poucos dias, em reposta ao tratamento que a China dispensa a “minoria”uighur no oeste-noroeste chinês. O anúncio repete elementos que podem ser ou podem não ser fake news, pois nunca houve posicionamento público do governo comunista chinês: campos de concentração e reeducação, trabalhos forçados para homens e de esterilização de mulheres muçulmanas sunitas.

Os uigures são uma das 55 minorias étnicas oficialmente reconhecidas pelo governo chinês e somam pouco mais de 12,8 milhões de pessoas na Região Autônoma Uighur de Xinjiang. Sua etnia é turcomena e são muçulmanos sunitas. Existem movimentos separatistas uigures que querem a independência, o que é considerado terrorismo pelo governo chinês. Mas também existem movimentos de união ao Estado Islâmico na Síria, consolidada com o envio de 10.000 combatentes que saíram ilegalmente da China e chegaram à Síria. Na época o governo chinês enviou suas duas unidades de comandos de elite, oficialmente, para cassar e eliminar estes 10.000 cidadãos chineses que passaram ao Isis. Nunca mais houve notícias e é provável que de fato tenham sido completamente eliminados. Tanto os separatistas uigures quanto os filiados ao Isis já realizaram diversos atentados a bomba no território chinês.

Portanto, intelectualmente tratar os uigures como uma “minoria perseguida pela China” é uma narrativa que não condiz com a totalidade da verdade.

Três intelectuais judeus apoiarem 12,8 milhões de turcomenos-chineses-muçulmanos sunitas, enquanto NENHUM dos 58 países muçulmanos, 56 deles sunitas, não dá a mínima para os uigures. Ou seja, se os iguais a eles estão carregando e andando para o que sucede com os uigures na China é justo que intelectuais da direita judaica tomem as dores dos uigures? Provavelmente os uigures não sabem o que é um judeu e nunca viram algum. Já os 10.000 que foram para a Síria, cortariam as cabeças dos judeus como cortam as cabeças dos muçulmanos xiitas.

É claro que muitos vão dizer: “olha, esse é um exemplo do tal Nunca Mais; mostra a ética judaica; mostra o Pirkei Avot e máxima judaica de corrigir o mundo…” Mas com gente que apoia o Estado Islâmico, não dá. Os uigures não são contra a China, são contra continuarem na China. Já Israel tem na China seu maior parceiro comercial, pela primeira vez superando os Estados Unidos no ano de 2021.

MAS E SE FOR VERDADE?

Os três intelectuais judeus não esperam que ninguém de fato boicote os jogos, mas que o tema seja esparramado na mesa, talvez obrigando a ONU e se pronunciar. Mas e se for verdade? E se os muçulmanos sunitas chineses estiverem sim sendo confinados em campos de reeducação (campos que foram absolutamente comuns na China desde que Mao Zedong tomou o poder). E se de fato estiverem sujeitos a trabalhos forçados ou escravo? E se de fato mulheres muçulmanas tiverem sido esterilizadas ou estejam sendo esterilizadas neste momento?

Ao ignorar e não investigar oficialmente, estamos nos arriscando a repetir 1942, quando o Governo Polonês no Exílio fez um relato muito preciso sobre extermínio dos cidadãos poloneses judeus pelas tropas de ocupação da Alemanha Nazista e o mundo, principalmente as lideranças judaicas decidiram que era absurdo demais e fantasioso demais para ser verdade. Mas era.

NUNCA MAIS não pode ser um slogam, mas uma atitude.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.