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Ben Ferencz z’l foi o sargento judeu que descobriu o que eram os Einsatzgruppen

Ferencz faleceu aos 103 anos de idade, lembrado na mídia em todo o mundo como o mais jovem promotor dos Tribunais de Nuremberg onde os nazistas foram julgados após o final da Segunda Guerra Mundial, e também o principal articulador para a criação do Tribunal Internacional de Haia.

Mas a história dele possui elementos mais comuns e igualmente mais fascinantes. Nascido em 1920, tinha já 23 anos de idade quando se alistou para a infantaria dos Estados Unidos, em 1943. Franzino, baixinho, advogado formado pela Harward Law School, o início do serviço militar dele parece com estereótipos de gibi.

“Qual de vocês sabe ler e escrever bem?” poderia ter perguntado o sargento e o soldado Frencz teria levantado a mão. “Ótimo! Vcs podem pegar os baldes e esfregões e irem limpar os banheiros”. Além de semanas limpando banheiros, o advogado de Harward foi elevado a dúbia função de datilógrafo da companhia, sem jamais ter usado uma máquina de escrever. Sabia sim escrever, e com muita qualidade, mas com caneta tinteiro e não com máquinas!

Na primavera de 1944 a unidade dele foi transferida para a Inglaterra e no dia 6 de junho, desembarcava sob fogo alemão na praia de Omaha, na invasão da Europa no Dia D. A unidade de Ferencz lutou a Batalha das Ardenas, rompeu a Linha Siegfried, a principal defesa alemã e cruzou a famosa ponte de Remagen, sobre o Rio Reno. Participou de tudo que vemos em filmes de Hollywood, mas no mundo real.

Ao final da guerra o quartel-general do Terceiro Exército, comandado por Patton, procurava soldados com experiência jurídica para colher provas de crimes de guerra cometidos pelos alemães e Ben Frencz pôde utilizar melhor suas habilidades especiais. Vasculharam documentos apreendidos e visitaram campos de concentração recém libertados no lado americano. Este em Dachau, Buchenwald e Mauthausen. Verificou que os crimes iam além da imaginação de qualquer pessoa.

“O importante era garantir as evidências, as listas de prisioneiros, os nomes dos líderes do campo e dos responsáveis da SS”, relatou Ferencz em suas memórias publicadas em 2020. “Com base nisso, emitimos mandados para prender as pessoas. Obtivemos todas as evidências e dirigimos diretamente para o próximo campo.” Conforme publicado pela Deutche Welle.

No início dos julgamentos, a 20 de novembro de 1945, Ferencz era apenas uma pessoa no público, sentado no alto da galeria superior. As ordens para voltar aos EUA já estavam emitidas. Lá chegando, não conseguiu emprego em nenhum escritório de advogacia.

Recebeu então um telegrama do Pentágono convocando-o para trabalhar com o general Telford Taylor, um advogado nomeado diretamente pelo presidente Truman para as fases subsequentes dos julgamentos. Taylor nomeou Frencz para a força tarefa na Alemanha dirigindo uma equipe de 50 investigadores encarregados de encontrar provas contra os nazistas. O quartel-general da Gestapo foi a mina de ouro para eles.

Na primavera de 1947, um dos investigadores encontrou 3 pastas no arquivo do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. O título era: “Ereignismeldungen aus der UdSSR — Berichte von der Ostfront” (“Despachos da União Soviética — relatórios da Frente Oriental” ).

“Eram relatórios de unidades especiais da SS, disfarçados por um nome aparentemente sem sentido: “Einsatzgruppen (grupos operacionais). Ninguém sabia o que eram”, lembrou Ferencz mais tarde. Ele imediatamente reconheceu a importância política da descoberta: “Parecia inofensivo, mas o conteúdo dentro estava carimbado ‘Material Secreto do Reich’., conforme publicado pela Deutsche Welle.

Os Einsatzgruppen não eram unidades de combate, e sim esquadrões da morte móveis da SS que atuavam contra as populações locais ocupadas que os nazistas consideravam que deveriam ser chacinadas de imediato na frente Oriental após a invasão da União Soviética. Seus objetivos eram exterminar judeus, membros do partido Comunista, lideranças locais e comissários do partido Comunista.

O sargento de infantaria Ben Ferencz no quartel general norte-americano em Munique, em 1945. Foto do acervo de Ferencz.

Em 15 de setembro de 1947, aos 27 anos de idade, Ferencz se tornou o promotor mais jovem em Nuremberg na abertura do julgamento específico sobre os Einsatzgruppen, responsáveis pelo assassinato a bala de cerca de 1,5 milhões de judeus ocorridos entre 5 e 6 anos antes. Crime até então desconhecido, mantido em segredo pelo comando alemão e pelos 3.000 soldados, sargentos e oficiais que os praticaram.

Apesar do protagonismo junto a operação especial do general Patton e depois no Tribunal de Nuremberg, Ben Ferencz foi apenas um sargento de infantaria dos Estados Unidos.

Imagem: Aos 27 anos, Ben Ferencz, sentado à esquerda durante a seção de abertura do julgamento dos grupos nazistas de extermínio, Einsatzgruppen, no Tribunal de Nuremberg, no dia 15/set/1947. Foto do acervo de Ferencz.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.