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Classificar economia por religião é incorreto, mas é feito

A XP pode ser pode ser abertamente pró-Lula e pró-comunismo, sempre se imaginando como o grande banco a URSAL – União das Repúblicas Socialistas da América Latina, talvez. Mas não são idiotas. Pelo contrário são altíssimos especialistas na área de finanças.

A imagem deste post é de uma palestra top-top lá na XP Investimentos. Um slide que atordoou boa parte da comunidade judaica brasileira: “44% dos judeus tem uma renda familiar maior que $100.000 por ano” (cem mil dólares por ano, ou seja, 564.000 reais por ano, ou seja 47 mil reais por mês). Não utilizaram este slide por serem antissemitas, mas por serem sem noção, apesar de especialistas.

Então a XP “acha” que 44% dos judeus tem rendimentos mensais de ministro do STF… Afirmação absolutamente fora da realidade.

Tenho visto só sapatada em cima desta imagem: antissemitas, raiz da perseguição aos judeus, como o cara arrumou estes dados se a gente não consegue fazer as pesquisas mais básicas? Como eles dizem que a maioria dos judeus são ricos? Aí, como pesquisar é minha área foi tentar identificar a FONTE, pois está indicada ali no canto inferior esquerdo e é: Pew Research Center.

Antes de prosseguir, é necessário ficar claríssimo que o slide não é sobre os judeus, mas sobre todas as linhas religiosas do mundo, cada qual com sua linha no gráfico. Obviamente, 44% é a minoria, e não a maioria, para os que sabem ler.

Esta instituição, a Pew, tem 18 anos, é localizada em Washington, é autodenominada “não partidária” e fornece informações em assuntos sociais, pesquisas de opinião pública, pesquisa demográfica, analise de mídia, gratuitamente e publicamente. Acredito que possua clientes pagos também. Declara que faz suas pesquisas aleatoriamente, antes por telefones celulares e fixos, contemporaneamente por email e mídias sociais.

Mas, rapidamente encontrei outras fontes que CORROBORAM estes dados, gostemos deles ou não, procurando por “World whealth by religion” (Riquesa mundial por religião). Uma surpresa total para mim. O dado de início deste tema nos documentos que vi mostram que os católicos controlam 55% da riqueza mundial, os muçulmanos 3,5% e os judeus apenas 1,1% o que parece muito coerente.

Primeiro ponto para o slide da XP: tese. Eles parecem quererem mostrar ao público deles que os judeus são ricos. Se usassem o dado de 1,1% da riqueza mundial, as pessoas entenderiam que o impacto dos judeus no total da economia é um dos mais baixos, apesar de 1,1% ser um volume enorme. Mas como poderia haver esta diferença em relação aos muçulmanos se eles controlam grande parte do petróleo no mundo e os judeus não controlam praticamente nada do petróleo. É simples. Estatisticamente o valor atribuído aos judeus será dividido por 16 milhões enquanto o valor atribuído aos muçulmanos será dividido por 1,5 bilhões.

É muito claro para qualquer pessoa com meio cérebro que os países islâmicos tem um impacto, no mínimo dez vezes maior na economia mundial, deixando de fora os fundos de investimentos e empresas ocidentais controladas por eles, enquanto a massa do bilhão e meio de muçulmanos é majoritariamente pobre ou rente à linha de pobreza. Mas isso não corroboraria a tese, aparentemente defendida de que os judeus comuns são ricos.

Ainda assim pegar a riqueza dos Safra, do Soros, do Zukerberg, do Silvio Santos, do Jeff Bezos, de alguns oligarcas russos e dividir pelo número de judeus, chegando a conclusão de que auferimos mais de 45 mil reais por mês cada, seria dar um nó na realidade. Mas é muito fácil fazer isso: o Jeff Bezos não é judeu, apesar de muita gente ter certeza de que é.

Prosseguindo na leitura de “riqueza mundial por religião”, se chega aos dados norte-americanos de renda familiar. Pronto, a primeira resposta: os dados são norte-americanos e nada tem a ver com a impossibilidade de pesquisas dentro da comunidade judaica brasileira. O que leva a primeira constatação: não são 44% dos judeus brasileiros, muito menos 44% dos judeus do mundo, mas poderiam ser apenas 44% dos judeus norte-americanos.

A renda familiar judaica MÉDIA é a mais alta nos EUA com 72 mil dólares anuais, DADO DO ANO DE 2001, retirado do livro, “Religion on Freemarket”, de Kosmin & Keisar, 2006. Perceba que os autores em 2006 só tinham os dados de cinco anos antes, no caso dos judeus. Não é um livro, é um artigo. Seriam os autores confiáveis?

Dr. Barry A. Kosmin, 71, é um professor de políticas públicas e direito em Connecticut, fundador e diretor do Instituto de Estudos de Secularismo e Cultura e editor do jornal Secularismo & Não-Religião. Como é? Então o livro que especifica o impacto das religiões na economia mundial é de um intelectual militante contrário às religiões? Em minha opinião isso já desqualifica tudo. É como se fôssemos entender o Holocausto a partir dos livros dos Revisionistas do Holocausto. Esse Berry Kosmin, em última análise é um dos líderes intelectuais do movimento ateu militante norte-americano, aquele que é tão ateu e tão contra as religiões que criou uma estrutura igualzinha a das religiões para combate-las.

Sobre Ariela Kaysar, a co-autora, confesso que passei a me preocupar. A marca dela na Internet é absolutamente zero, não aparecendo seu nome em lugar nenhum além das referências ao livro. Não é possível saber se ela de fato existe e se este é o nome verdadeiro dela. Kaysar é um sobrenome tradicional tribal muçulmano sírio.

Mas eles são um trio. O terceiro nome é Egan Mayer, também, agora não mais surpreendendo, com pegada absolutamente zero na Internet. Isso é algo absolutamente incomum para autores e professores acadêmicos, se é que são. Curiosamente Egon Mayer foi um às da força área da Alemanha nazista, tendo abatido 102 aviões aliados e morto em combate na França em 1944. Egan pode ser descendente de Egon? Tem uma alta probabilidade do nome ter sido mantido na família. Sequer foi possível descobrir se Egan é homem ou mulher. Seu nome só aparece em trabalhos de terceiros sendo citada.

Avaliação: pela impossibilidade sequer de checar a existência de dois colegas chegados a Kosmin, que assinam com ele seus livros, e pelo fato de Kosmin ser um intelectual contrário a todas as religiões, obviamente os dados dele sobre a riqueza das pessoas dentro das religiões são absolutamente comprometidos por “bias”, isto, é tendência e intenção de mostrar como as religiões “controlam” a humanidade e o ser humano e como isso é perverso e deve ser combatido. É o que prega Kosmin.

O PEW RESEARCH É KOSMIN?

Não e sim. Barry Kosmin não faz parte do staf de 360 funcionários e pesquisadores do instituto, mas é citado em artigos sobre demografia judaica.

O Pew Research, para nova surpresa, possui 780 artigos disponíveis onde “jew ou jewish” aparece, inclusive sobre identidade judaica, fé, demografia e até mesmo a variação do número de afiliados entre as vertentes judaicas nos EUA (quem está aumentando e quem está diminuindo).

Li alguns deles e me parecem absolutamente lícitos, com dados muito interessantes e importantes, se é que são verdadeiros. Não encontrei qualquer tendência de discurso contra judeus ou contra Israel.

A conclusão é: os dados apresentados no slide pelo XP SÃO VERDADEIROS e emitidos por uma instituição norte-americana com grande credibilidade. Por menos que isso nos agrade. É até complicado para mim escrever isso: os dados são verdadeiros porque estão publicados e certificados pelo PEW, mas não se pode ter certeza de que refletem a realidade norte-americana.

Sendo assim, por menos que eu goste do pessoal da XP, não se pode acusa-los de absolutamente nada neste caso além de mau uso dos dados, pois a sociedade judaica brasileira não possui qualquer semelhança étnica, social, religiosa ou financeira com a sociedade judaica norte-americana. A “verdade” dos EUA não pode ser assumida como “verdade” para o Brasil, por mais idiota que seja afirmar isto. Mas é preciso deixar muito claro, neste caso.

Por outro lado não posso afirmar que a realidade é esta que os dados verdadeiros apontam. Quando verifico que uma instituição não judaica tem como foco os judeus dos EUA, com dados publicados que desconhecemos e nos atingem por tabela, eu posso garantir que isso nunca foi intenção da Pew: o material é sobre os EUA e para os EUA. Já no caso de um grupo estranho de pessoas ideólogas e militantes do ateísmo que coletaram dados sobre os judeus e sobre as outras religiões, posso afirmar apenas que o trabalho deles é lixo acadêmico.

Se alguém quiser acreditar que militantes ateus possuem dados sobre os judeus que os próprios judeus não possuem, então pensem o que quiserem. Somos absolutamente livres para pensar.

Se alguém quiser acreditar que os cidadãos dos EUA abrem um email lhes endereçado pelo Pew e respondem um questionário como nosso Censo completo, inclusive respondendo a mais de 15 questões sobre suas próprias religiões e práticas religiosas, além de graciosamente entregar ao Pew sua renda familiar, então estaremos todos pensando que os norte-americanos são absolutamente idiotas ao fazer isso. Acredito que no Brasil um email destes vá para lixeira em 10 segundos, sem contemplação, pela segurança familiar e individual. E nos EUA, não pode ser diferente disso. Provavelmente os dados verdadeiros do Pew alegando pesquisa por email são muito bem inventados e maravilhosamente bem publicados.

O link da Pew esta aqui, então, quem quiser pesquisar lá, vá fundo. Se encontrar algo interessante, avise a todos.

É claro que eu coloquei “Brazil” na busca (ocorre em 665 artigos), enquanto Israel em 903 e China em 1.548 – certamente tem muito material interessante lá.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

link do Pew Research

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.

Um comentário sobre “Classificar economia por religião é incorreto, mas é feito

  • Caro Ronaldo,
    Há um fato que guarda um vínculo com as entrelinhas da palestra patrocinada pela XP: há poucos meses, durante um programa de debates na TV (creio que foi na CNN), um dos participantes sugeriu que uma das maneiras de se resolver os problemas econômicos do Brasil, entre os quais a miséria disseminada, seria copiarmos o que fez a Alemanha nazista – tomar a riqueza dos judeus.
    Repita um ideia algumas vezes…não demora muito isto vira um projeto!
    A sua análise, sob o aspecto técnico, é perfeita. Mas não creio que a comunidade judaica esteja preocupada com tecnicismos.

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