judaísmoÚltimas notícias

Costumes judaicos de Yom Kipur de metade do século XX que não temos mais

As fotos apenas, todas publicadas em jornais de capital do Brasil, o Distrito Federal do Rio de Janeiro, desde 1907 não dizem a verdade sem algumas explicações.

A foto que abre este post é do dia 21/out/1932 no salão do Clube Ginástico Português. Não é Yom Kippur, mas de dez dias antes no Rosh Hashaná. Lotado com homens em embaixo e poucas mulheres em cima, até porque não havia espaço mesmo. Mas o notável aqui é contarmos talvez quatro ou cinco homens e crianças com kipá. Todos os outros estão com chapéus. E pouco gente sequer acredita que kipá é algo recente no judaísmo.

Quando as sociedades utilizavam chapéus, nada mais simples para os homens judeus andarem nas ruas com chapéus iguais a todos os outros homens. Em 1911 existe uma passagem em um artigo de jornal positivo aos judeus que diz: “Como são estranhos estes israelitas que não tiram seus chapéus na igreja deles”. De fato, se formos verificar fotos de casamentos, barmitzvá e eventos comunitários, o chapéu era muito utilizado até o final dos anos 1960. No pré guerra na Alemanha e Áustria era absolutamente normal os rabinos utilizarem cartolas. Quando as sociedades foram abandonando os chapéus, os judeus também seguiram a tendência e a kipá no bolso começou a ganhar seu lugar.

DESCOBERTA DA MATZEIVA EM IOM KIPPUR

O Cemitério Israelita de Vila Rosali, da Chevra Kadisha, só entra em atividade no ano de 1924. Antes disso, desde 1865 os enterros judaicos eram prioritariamente realizados na ala de acatólicos do cemitério público de São Francisco Xavier no Caju. Incidentalmente a área nova do Cemitério Israelita do Caju, da Comunal faz muro com a área onde estão sepultados mais de 2.000 judeus e judias.

A administração dos sepultamentos lá era majoritariamente operada pela ABFRI – Associação Beneficente Funerária Israelita, criada em 1905. Era a associação das prostitutas judias que tinha função cemiterial como negócio legítimo. Em 1916 ela passa a operar o Cemitério Israelita de Inhaúma onde estão sepultados 770 judeus e judias, grande parte não ligados à prostituição. De fato é o único cemitério “ortodoxo” judaico no Brasil com quadras separadas para homens e mulheres. Quem operou os 70 sepultamentos de judeus ingleses no Cemitério dos Ingleses, na Gamboa, entre 1814 e 1865 não sabemos. Quem operou os sepultamentos de judeus no São Francisco Xavier de 1875 (o primeiro, o sr Sigfried Nathan) até 1905 também não sabemos.

O que sabemos é que ao contrário da prática atual de não visitar os cemitérios entre Rosh Hashaná e Yom Kippur, as coisas eram diferentes no Rio de Janeiro e o Dia do Perdão era o dia da inauguração coletiva das matzeivas (das pedras dos túmulos) dos falecidos no ano anterior. E começava bem cedo. Em 1911, temos a agenda das festas da ABFRI publicada no Jornal do Brasil de 21/set/1911: às seis da manhã terá início a cerimônia da “colocação das lápides”, no São Francisco Xavier. Depois a volta para a sinagoga era às 5 da tarde.

Passava bonde na porta e em 1911 havia taxis na cidade. É interessante notar que falamos em “descobrir” pois tiramos o pano que cobria a pedra, e eles falavam em “colocar” a pedra. Não sabemos se matzeiva era de fato fechada pela última pedra ou o termo era apenas para não dizer “inauguração”, como continuamos não fazendo. Se alguém for ler a nota acima fica claro que os termos estão em ídiche e que Mazker-Nechumes, é Izkor Nechamot, Izkor em memória às almas. Era muito comum repórteres e operadores de linotipo errarem nomes judaicos e termos ditos em ídiche e com sotaque. Em 1907, por exemplo tempos publicado também pelo antigo Jornal do Brasil, Simchas Toura, talvez a festa judaica do boi.

VELAS PARA OS PARENTES MORTOS

Acima temos a página 29 da edição 226 da revista Careta de 28/set/1912 mostrando o Yom Kipur na sinagoga da ABFRI, com homens no sobrado e mulheres no térreo. Todas estas mulheres são prostitutas judias e os homens envolvidos com a prostituição, sejam como cafetões ou maridos, ou as duas coisas. Normalmente as pessoas detestam aceitar que “aqueles judeus e aquelas judias” tinham religiosidade. Mas é um fato que a sinagoga delas começou a funcionar em 1903 e só terminou porque foi derrubada pelas obras no metrô na Cidade Nova, após 71 ou 72 anos.

As atividades delas nada tinha de ilegal e frequentavam as páginas dos jornais normalmente. E não parecem ser “prisioneiras ou enganadas”. Se eu não tivesse dito que eram as prostitutas, mas mulheres e homens da comunidade judaica de 1912, todo mundo teria acreditado.

O que se destaca mais são as enormes velas pretas. Segundo a legenda, 1.200 velas (provavelmente bem menos que isso). As velas não são pretas, são de cera de abelha, amareladas, portanto o que hoje chamamos de “vela kosher”, sem uso de parafina e principalmente sem gordura de porco, insumos utilizados nas velas brancas de uso comercial. Naquela época já existia um composto denominado estearina, que é o glicerol, muito utilizado na fabricação velas. No Rio de Janeiro existia a Companhia Esteárica Nacional, a maior fabricante de velas. As velas de cera de abelha não deixam resíduos. Por segurança as velas estão firmemente enfiadas em sacos com terra ou areia.

As velas aparecem pretas porque os fotógrafos dos jornais em todo o mundo utilizavam um filtro azul para fotos em preto e branco. Este filtro faz o céu parecer branco, as nuvens se misturam com o céu, mas qualquer coisa amarela aparece em preto. Abaixo uma imagem da bandeira do Brasil em preto e branco normal e outra como se tirada com filtro azul. É por isso que as bandeiras do Brasil em fotos antigas são muito esquisitas.

Eu conversei com o rabino Stauber anos atrás e ele se lembrava deste costume. Disse que terminou apenas em meados dos anos 1950 quando as pessoas ficaram mais preocupadas com a possibilidade de incêndio. Curiosamente não existe registro de qualquer incêndio em Yom Kipur relacionado com esta prática. Nem dá para imaginarmos a temperatura e o odor de 1.200 velas acesas o dia inteiro num apertado sobrado de madeira. E a prática não era disseminada nem padrão entre os judeus. De fato, ainda estou pesquisando de onde isso veio, mas ainda não encontrei nada. Não existissem estas fotos de 1912, isso teria se perdido completamente. E não era algo barato de ser implementado.

Por José Roitberg – jornalista e pesquisador

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.