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Insensata lei contra sensatez passa na primeira votação no Knesset

Essa será a primeira lei para modificar o sistema judicial israelense. Pretende impedir que a Suprema Corte revogue não só leis como decisões executivas com base em não serem tais medidas sensatas, razoáveis, justas ou aceitáveis.

Lá atrás, quando a Lei Básica de Israel foi criada o governo socialista e a sociedade majoritariamente socialista decidiram que o Estado de Israel não teria um governo absolutista, senão ditatorial como todas as repúblicas soviéticas e outros países comunistas eram. Cuba nem tinha passado pela revolução ainda. Outro mundo. Outras pessoas. Outros desafios. Outros entendimentos.

E Israel tem sido assim até hoje. Ao procurar uma lista de decisões da Suprema Corte israelense baseadas na não sensatez de leis e decisões executivas, não se encontra nada na Internet. Conhecemos a última. Foi um dos argumentos para remover o presidente do Shas, Arie Dery do atual ministério.

Foi considerado como inaceitável, não razoável e não sensato empossar um ministro com duas condenações na justiça, uma pena de seis anos de prisão inteiramente cumprida e uma segunda pena suspensa após acordo onde se comprometia a não ingressar na vida pública novamente. Descumpriu o acordo que fez com a justiça. Empossar um ministro que descumpriu seu próprio acordo judicial, não é razoável. E aqui não se trata dele ser do Shas, se trata única e simplesmente do discurso aberto de achar correto descumprir seu próprio acordo.

Mas não é tão simples assim. Qualquer pessoa interessada na política israelense devia perguntar (e a mídia israelense evita esta pergunta, portanto inexiste resposta), por que a Suprema Corte não considerou não razoável Arie Dery sido ministro da economia em 2015, após cumprir prisão por crimes de fraude, ou ministro do desenvolvimento do Negev entre 2015 e 2021, ou ministro do interior entre 2016 e 2021, quando especificamente ferrou todas as comunidades judaicas da América Latina, anulando todas as conversões ao judaísmo realizadas por aqui desde o ano de 1928?

Por acaso esta decisão executiva do ministro do interior foi justa, razoável ou sensata, ou foi especificamente xenófoba, injusta, insensata e não razoável? Ou será que a Suprema Corte nada fez porque ninguém entrou com uma ação contra tal decisão. Então existem pesos e medidas diferentes, em momentos históricos diferentes em relação a Arie Dery.

O texto que passou na primeira das três votações regimentais, nesta terça-feira 11/jul no Knesset diz textualmente, o seguinte, alterando um parágrafo do capítulo “O Judiciário”:

“A despeito do que está escrito nesta lei básica, quem tiver autoridade judicial, de acordo com a lei, incluindo a Suprema Corte, não deliberará e não dará ordem contra o governo, o primeiro-ministro, ministros do governo ou outros oficiais eleitos, conforme será definido em lei, quanto à razoabilidade de suas decisões”.

A insensatez é proibir a justiça de dar vitória na corte contra o governo. Isso permitiria o governo a literalmente fazer o que quisesse. Mas note que há parâmetros a serem definidos em lei complementar, já na vigência dessa proibição de contestação.

Proibir a contestação de medidas do governo sai do que se define como democracia. Tudo pode ser questionado, menos o governo.

A primeira decisão quando esta alteração da Lei Básica for aprovada, e tudo indica que será, a volta de Arie Dery à cadeira de ministro de interior. As decisões seguintes, nem vale a pena especular. O que é certo será um aumento da pressão popular contra o governo.

Até o momento a polícia vem garantindo o direito de livre manifestação, pela vigésima sétima semana seguida, já não só mais no sábado, mas também no domingo, segunda e terça, com prejuízos sérios ao comércio e ao direito das pessoas se deslocarem livremente para seus trabalhos, atendimentos médicos, escolas, ou seja lá o que precisam fazer. Existe uma discussão na sociedade israelense e é muito relevante: a polícia deve proteger o direito de livre manifestação ou deve proteger o direito de transitar livremente pelo país, trabalhar, estudar, fazer compras etc?

Na vigência da proibição de constatação judicial o ministro da segurança nacional, Itamar ben Gvir deverá emitir ordem a polícia para impedir as manifestações. E aí, a situação vai ficar muito complicada.

Comparando com um político que todos conhecemos que perdeu o jogo insistindo em jogar dentro das quatro linhas, essa proibição de atuação da Suprema Corte, significa colocar novas linhas dentro do campo do jogo, que alguns jogadores podem ultrapassar e outros não. De forma mais simples: uma linha de impedimento para os juízes e não para os jogadores.

Após a aprovação da primeira leitura membros do Likud estão falando em suavizar o texto, pois “outros oficiais eleitos”, significa também a futura proibição do questionamento de leis e decisões municipais. Um núcleo no Likud pretende deixar a prerrogativa apenas para o primeiro-ministro e outros ministros.

A situação hoje é mais complicada do que ontem. E vamos para semana de número 28.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador.

Imagem: Ilustrativa, Knesset em Jerusalém. Foto CC 2.0 de Eric Victor Gitter

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.