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Netanyahu vai mantendo o que prometeu em inglês

Os últimos dias foram duros no cenário político israelense. Outra manifestação contra o governo levou 110.000 pessoas às ruas em Tel Aviv. O alvo dos discursos é a pretensa reforma judicial que a coalização quer levar a cabo. Resumindo: todos os juízes em Israel são indicados por uma comissão deles com a escolha dos juízes da Suprema Corte pelo presidente de Israel e a coalizão quer que os da Suprema Corte sejam escolhidos pelo parlamento.

Ou seja, todos os juízes de Israel são escolhidos de forma independente da política, desde 1953, e a coalizão que tornar o sistema dependente da política.

Mas os juízes pretendem reagir e já reagiram. Na quinta-feira, dia 19/jan, por um inesperado placar de 10 votos a favor e apenas um voto contra, a Suprema Corte determinou que Arie Dery não podia ser ministro devido às condenações anteriores, à condenação atualmente suspensa e por não ter cumprido o compromisso que ele mesmo propôs à corte de abandonar a política.

A primeira reação do ministro nascido no Marrocos, na comunidade judaica árabe tradicional e não na comunidade ibérica foi de jogar a carta do racismo. Disse que não saia do cargo e que todos os indiciamentos, julgamentos e condenações dele pelos tribunais israelenses foram racistas, por ser ele marroquino. Declarações vergonhosas.

A corte deu a Bibi Netanyahu até domingo (22/jan) para demitir Dery do Ministério do Interior e do Ministério da Saúde, sob pena de ser também Bibi considerado inapto para o cargo. E Bibi cumpriu a decisão judicial. Existe em Israel a possibilidade de o primeiro-ministro acumular ministérios. Bibi já fez isto antes, mas desta vez não pode. Ele está sendo processado em três casos de suborno e abuso de autoridade, casos que não se encerram nem vão para frente. Uma pessoa que está sendo processada não pode ocupar um ministério, mas pode ocupar o cargo de primeiro-ministro. É assim a lei atual de Israel.

Dery permanece como líder do partido Shas e também como vice-primeiro-ministro o que é bizarro, mas segue a lógica legal acima. Fala-se em Israel que a coalização quer que Bibi crie um mandato compartilhado com Dery, como o últimos de Gantz e Lapid. Mas para isso, o governo atual precisa ser oficialmente desfeito, e uma nova votação no Knesset precisa acontecer criando um governo onde Bibi e Dery serão primeiros-ministros. Parece uma solução ainda pior e arriscada pois o voto hoje pode não ser o mesmo voto de semanas atrás. Pelo lado dele, Dery foi muito pragmático: sem o Shas não tem governo. E ponto final. É o que alguns chamam da chantagem da ortodoxia política em Israel.

Por outro lado Bibi tem feito o que disse que ia fazer, nos discursos em inglês e batido a marreta sobre as pretensões radicalíssimas da ortodoxia política, que pela vez dela, não reage contra as decisões do primeiro-ministro, o que é estranho.

Smotrich tentou voltar a criar um novo posto ilegal de colonos judeus ortodoxos em área palestina na Judeia e Samaria. Bibi mandou tirar os que estavam lá e demolir o barraco que erigiram, declarando que todas as construções ilegais na Judeia e Samaria serão combatidas, sejam elas palestinas ou judaicas. É a lei atual de Israel.

O Ministro da Cultura, Miki Zohar, do partido Likud pretendia proibir todos os eventos em Israel que acontecem no shabat, principalmente os financiados com dinheiro público, como os criados a partir de 2021 pelo governo anterior. Bibi bateu a marreta novamente e decidiu que não haverá financiamento público de novos eventos ou projetos durante o shabat mas que os que já existem prosseguirão, afirmando que eles acontecem em cidades ou áreas de cidades quase totalmente seculares e que não se pode impor aos judeus seculares a obediência ao shabat. Os políticos ortodoxos, que acham que sim, tem que se impor o shabat senão o Estado Judeu não seria o Estado Judeu, reclamaram da decisão, mas deixaram de lado, por enquanto.

Itamar ben Gvir ordenou que a polícia não use mais canhões de água contra os manifestantes ortodoxos quando eles não obedecerem a ordem de desbloquear a via pública nas manifestações deles.

A mídia israelense já fala abertamente em desobediência civil, como um direito do cidadão, no caso de implementação de leis judaicas ortodoxas sobre todos. E para quem considera isso estranho, basta notar que a comunidade hareidi e ultra-ortodoxa já pratica isso há décadas, principalmente quando se recusa a obedecer a justiça civil de israelense, considerada inválida (não a Suprema Corte atual, mas todas), e quando se recusa a obedecer a polícia israelense que denomina de nazista.

Seria necessário que todos os judeus fizessem uma checagem de sua crença e fé, e percebessem que o modo vida secular é inviável e inválido para os hareidim. Que o modo de vida ortodoxo é inviável e inválido para os reformistas e assim por diante. São visões de mundo excludentes e incompatíveis. A diferença é que as visões liberais e seculares nunca pretenderam obrigar os ortodoxos a se tornarem liberais e seculares. Já a ortodoxia está com uma agenda (em Israel somente) de tornar todos os judeus em ortodoxos. Isso aumenta ainda mais a incompatibilidade e exclusão mútua ao invés de agregar.

Mas é preciso também compreender, e isso é muito sério que o repúdio ortodoxo ao modo de vida liberal ou secular faz muito sentido para eles, e nenhum sentido para nós. Eles se sentem de fato ofendidos por judeus que não cumprem todas as regras que a ortodoxia criou e tem a certeza de precisarem serem cumpridas. Mas só em Israel.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: foto oficial de Bibi Netanyahu demitindo Arie Dery, líder do Shas, dos cargos de ministro que ocupou por poucos dias, atendendo decisão da Suprema Corte de Israel. Foto de Kobi Gideon, GPO.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.