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Para se manter no poder Bibi Netanyahu forma o governo mais intolerante da história de Israel

 Vou iniciar este artigo de forma diferente, para deixar absolutamente claro ao leito: trata-se de um artigo de opinião.

Não sou cidadão israelense. Meus pais eram. Sempre fui ligado à direita política judaica. Fui ligado ao partido depois ao Likud (de fato HaLikud, A Consolidação), um partido de centro-direita fundado em 1977, por Menahem Begin, um partido da vertente sionista revisionista, de Vladimir Jabotinsky, com os ideais puros e padrões de Theodor Herzl. Sempre respeitei o partido e por isso me vejo muito tranquilo para criticar o partido, quando necessário.

Dentro da intolerância entre amigos nas mídias sociais tanto no Brasil, quanto em Israel ou nos Estados Unidos, a partir das divergências políticas, cada vez mais eu presencio o seguinte discurso: “você não é cidadão daqui, ou você não vive aqui, então não tem direito de criticar”. Eu não respeito qualquer linha de pensamento que me diga não ter direito a criticar! Por vezes, quem está fora da caixa, consegue ver as coisas de outro modo, até porque a caixa é construída de material transparente, quando é a caixa de nossas sociedades.

Em 2018 eu tinha escrito um artigo de opinião “Bibi não quer largar o osso”. Desde aquele ano, estava claríssimo para qualquer um que analise a política israelense que a “consolidação” passou também a ser um nome falso de partido, por ter se fragmentado e ‘desconsolidado’ criando três ou quatro novos partidos (dependendo da eleição). Consolidados, governariam como partido de centro-direita, do sionismo revisionista, sem a necessidade de acordo com outros partidos. Fragmentados, tornaram isso impossível. O pivô da fragmentação é o político que julga ser o único capaz de conduzir o destino do Estado Judeu. Se Benjamin Netanyahu abrir mão de ser o primeiro-ministro e aceitar outra pasta, o grupo se consolida novamente.

É bizarro declarar isso, mas Bibi Netanyahu não é o Likud. A última eleição pela liderança do partido foi em novembro de 2019, já na entrada da pandemia e 27,5% dos filiados não votou em Bibi. Somando a rejeição interna com os que deixaram o partido, podemos chegar a 70% dos políticos e filiados à centro-direita que não apoiam Netanyahu, ainda assim ele se mantém como líder, o que é um fenômeno político. Antes que questionem, o número de 70% é um achismo meu, somando os números que se conhecem. Ou seja, os números da conta são verdadeiros, o resultado é uma presunção minha.

E isso não é minha opinião. Quem não quer ficar com o Bibi, são uns 40% ou 45% dos amigos e colegas dele, pelo menos. Sendo assim o Canal 12 da TV israelense, anunciou o acordo entre o Likud com suas 32 cadeiras e os hoje cinco partidos, um deles uma coalizão religiosa com suas igualmente 32 cadeiras. O mínimo para formar o governo é voto de 61 parlamentares no Knesset.

O fake “Sionismo Religioso”, se fragmentou, neste domingo 20/nov, nos três partidos que o compõe. E agora são independentes. A coalizão acabou, o que é uma maluquice eleitoral israelense. Vota-se na coalizão, ela é eleita, dias depois ela é desfeita.

O Noam, intolerante social com plataforma eleitoral anti-LGBT+ fica com uma cadeira, algo que não deveria existir pois o mínimo no Knesset são 4 cadeiras; o Bezalel Smotrich ficou com a marca “Sionismo Religioso” com 7 cadeiras; e Itamar Ben Gvir, com o Otzma Yehudi e 6 cadeiras.

Um dia depois Bibi Netanyahu parece ter conseguido balancear quem tem o pato maior sobre a mesa e anunciado a composição do governo com estes intolerantes e perniciosos. Mas eles ainda precisam confirmar. Então, o governo mais intolerante do Estado Judeu, que ninguém faz ideia no que vai resultar, começará desta forma:

1) o Likud mantém o Ministério da Defesa com o parlamentar Yoav Gallant, major-general da marinha, participou da Segunda Guerra do Líbano e da Operação Chumbo Derretido, foi comandante do Comando Sul, com 35 anos de serviço militar. Sempre esteve no ministério desde 2015 como Ministro da Construção até 2019, Ministro da Aliah (2019-20) e Ministro da Educação (2020-2021). É um nome bom e conhecido em Israel.

2) Smotrich, o intolerante número um será o Ministro da Economia, com a chave do Tesouro e também estará em posição para ditar normas sobre a Judeia e Samária (Cisjordânia). Ele poderá nomear o vice-Ministro da Defesa. Já se sabe que a primeira medida anunciada será a tentativa de legalização de todas as ocupações ilegais (pela lei israelense) que existem lá. Por exemplo, 3 ou 4 jovens do grupo dele ou ligados a ele, montam uma barraca ou um barraco de madeira e reivindicam a possa da torre, o que é ilegal. Vai se tornar legal, oficialmente. É impossível saber o que advirá daí, mas é muito provável que isto incentive novas tomadas de terras desta maneira o que levará ao acirramento do conflito armado. Smotrich quer que o Estado Judeu seja um estado teocrático, como um Irã judaico dos aiatolás rabinos. Também não se pode imaginar o que vai acontecer.

3) Itamar ben Gvir, o kahanista que pretendia ou ainda pretende expulsar os árabes todos ou apenas os infiéis ao Estado Judeu, bateu os pés e ficará com o Ministério da Segurança Interna, no controle de todos os ramos policiais em Israel. Gvir terá “poderes expandidos”, se bem que não se faça ideia do que isso significa. Alguns setores afirmam que Gvir será o comandante geral da polícia que perderá a autonomia com a qual trabalha até o momento. Ou seja, Smotrich legalizará as ocupações ilegais e Gvir ordenará a polícia de fronteira a garanti-las. É impossível sequer imaginar quais decisões racistas, de segregação de gênero e de apartheid mesmo, não só entre árabes e israelenses, mas entre mulheres judias e homens judeus, o novo Ministério da Segurança vai implementar. Gvir sempre advogou ocupar a Esplanada das Mesquitas, que os clérigos palestinos ampliaram anos atrás para ser a Mesquita de Al Aqsa (não só o prédio na mesquita propriamente dita) e vai mandar a polícia de fronteira lá para cima. Acredito que ele fará disso sua primeira ação em comemoração ao cargo de minsitro. Isso vai acontecer e vai criar um conflito, talvez uma guerra. O Otzma Yehudi também recebeu o Ministério da Agricultura. Veja sobre a separação entre homens e mulheres mais abaixo.

4) Arie Dery, líder do Shas, foi convencido a abrir mão do Ministério da Economia e voltar ao Ministério do Interior, o que desgraça todos os judeus da América Latina, apenas nós. Esta posição permite ao Shas, ortodoxia radical árabe, definir quem é judeu. E o Shas já definiu que todas as conversões ao judaísmo realizadas na América Latina desde o ano de 1928 são inválidas. E com isso, os descendentes de mulheres convertidas não são judeus, bem como os descendentes destes filhos. Todos os casamentos, bar-mitzvás e separações religiosas de casais com um cônjuge convertido ou descendentes deles (e aí já falamos da geração de bisnetos ou mais), são inválidos, bem como todos os sepultamentos nos cemitérios judaicos destas pessoas. Mas os judeus do México para baixo não sabem disso, não querem saber disso e não se importam com isso, e nossos rabinos todos permanecem calados. O Shas também receberá o Ministério de Serviços Religiosos, o Ministério da Galileia e Negev (que controla fundos das regiões periféricas de Israel) e uma posição no Gabinete do Primeiro Ministro. Já se sabe que o Shas, apoiado agora pelo Ministro da Segurança Interna e pelo Ministro da Economia, vão tentar implementar o ‘cancelamento’ do judaísmo reformista e do judaísmo liberal em Israel. A plataforma de deixar de reconhecer oficialmente os membros da Reforma Judaica (que são a maioria dos judeus do mundo) como judeus vai ser tentada e provavelmente implementada.

A lei atual impede que um condenado a prisão possa exercer o cargo de ministro até decorridos sete anos do final da sentença. Deri foi condenado, no começo deste ano, a 12 meses de prisão, por vários crimes relacionados a impostos. A sentença está suspensa. O Advogado-Geral de Israel clarificou que a lei se aplica a quem está cumprindo a sentença ou a quem a tem suspensa. Pela lei, Deri não poderia ser ministro antes do ano de 2030 e isto está dando muita confusão em Israel. Um parlamentar do Shas, já entrou com uma lei para declarar que inelegibilidade não atinge que tem a sentença suspensa. Deri já cumpriu 22 meses de prisão entre os anos de 2000 e 2002, por ter recebido subornos quando na posição de Ministro do Interior e ficou fora da política por sete anos após ser libertado. Este amor de pessoa é quem diz oficialmente quem é judeu em Israel.

5) Segregação de gênero em eventos públicos. Talvez o leitor não acredite nisto. Eu jamais imaginei que iria escrever isso como uma possibilidade perniciosa verdadeira, mas é. O Smotrich e o UTJ – Judaísmo Unido Pela Torá, que é uma coalização de dois partidos, o Agudat Israel (criado em 1912, na cidade de Kattowitz quando fazia parte do Império Germânico, e hoje é Katowice, na Polônia) que foi criado para politicamente impor o antissionismo religioso ao sionismo político de Herzl e do Congresso Sionista Mundial, e o Degel HaTora (Bandeira da Torá), grupo criado em 1992 com um split, uma divisão do próprio Agudat Israel, pretendem anular, revogar ou modificar várias leis israelenses. Entre elas a lei contra a discriminação em Israel. Eles querem que todos os eventos públicos – e não está claro se são eventos do estado, das prefeituras, forças armadas ou realizados com a presença de público – tenham separação física entre homens e mulheres. O Agudat Israel tem 4 cadeiras e o Degel HaTora tem 3. Ou seja quatro ortodoxos hareidim antissionistas e outros três que são a mesma coisa com outro nome, querem obrigar a sociedade israelense inteira à prática deles.

Cá para nós, eu nunca me importei com a separação obrigatória entre homens e mulheres na ortodoxia e na ultra-ortodoxia. Sucede que eles querem que todos os homens e mulheres de Israel fiquem fisicamente separados. Lá no outro extremo, o rabino Meir Kahane pregava isso, inclusive com praias para homens e praias para mulheres. Hoje, o máximo que existe são mulheres sentando na parte de trás de ônibus que vão para as áreas ortodoxas.

O primeiro ministro Yar Lapid, que está de saída caso o novo governo seja formado, declarou: “No momento que vemos bravas mulheres iranianas lutando pelos direitos delas, em Israel o partido Sionismo Religioso, o líder do partido Bezalel Smotrich e os ultra-ortodoxos nacionalistas estão tentando colocar as mulheres atrás de barreiras e legalizar a separação entre homens e mulheres. Onde está o Likud? Por que eles ficam em silêncio? Aqui não é o Irã!”

Por incrível que possa parecer, nem todos os políticos da oposição consideram a separação geral de gêneros como um absurdo. Matan Kahana, o atual Ministro dos Serviços Religiosos, líder do partido Unidade Nacional, do general Beny Ganz, partido considerado sionista religioso raiz e apontado como sionista liberal, declarou, para susto nosso, que se o governo estiver realmente interessado em trazer os israelenses hereidim e ultra-ortodoxos para o convívio geral da sociedade, então a segregação de gênero é necessária.

Nunca imaginei escutar, ler ou escrever isso. O Kahana, que não é parente do Meir Kahane é um sujeito top e raro. Chegou de coronel da Força Área, piloto de F-16, comandante de esquadrão e participou das operações aéreas desde a Segunda Guerra do Líbano até Guerra de Gaza de 2014. Mas para ele, separar as mulheres israelenses dos homens israelenses é positivo para incluir os hareidim na sociedade. Opinião muito bizarra deste herói de Israel.

6) As outras leis que os partidos religiosos querem e talvez consigam criar, anular ou emendar são: criar uma lei que impeça a continuação dos processos contra o Bibi Netanyahu; revogar o dispositivo da Lei da Retorno que permite ser cidadã uma pessoa com apenas um avô judeu; revogar as nomeações de rabinos reformistas israelenses como rabinos de cidades; deixar de considerar qualquer conversão ao judaísmo que não seja ortodoxa para fins de cidadania; lei para expulsar de Israel cidadãos “desleais”, seja lá o que signifique – não imagine que desleal será apenas o árabe muçulmano.

Os partidos ortodoxos pretendem perseguir o estabelecimento da teocracia judaica nos moldes das teocracias islâmicas, terem o poder total de definir quem é judeu e ter também o poder total de definir quem não é leal e expulsá-lo. E ainda não tomaram posse.

Não é o momento de ficar em cima da cerca. Eu que sou um judeu liberal crescido dentro da Reforma Alemã, e a favor da total inclusão das mulheres na sociedade me posiciono não só contra o que a ortodoxia israelense está pretendendo fazer com as mulheres neo-ortodoxas, mas preciso me levantar e gritar antes que os mesmo religiosos intolerantes, determinem que eu não sou mais judeu.

E na sua opinião? Qual será o risco maior para a sociedade Israelense? A introdução das leis teocráticas? A polícia se recusando abertamente o obedecer o Ministro da Segurança? Ou a confrontação aberta e direta de ministros intolerantes com os árabes israelenses e o bojo da sociedade de Israel?

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: 13/nov/2022 Benjamin Netanyahu recebendo do presidente Herzog o mandato oficial para tentar apresentar um novo gabinete de governo. Foto de Kobe Gideon/GPO divulgação do Facebook do Likud.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.

One thought on “Para se manter no poder Bibi Netanyahu forma o governo mais intolerante da história de Israel

  • Zyiad Abu Gal

    Prezado Zeca!
    1. Comparado ao governo que nos deixa este novo governo e’ a quintessencia da Tolerancia.
    Este governo foi eleito para preservar a Identidade Judaica do Estado de Israel, para voltar a lecionar Tanach nas escolas, para combater o Progressismo Doentio que avassala o Pais(o Mundo),para confiscar (mesmo que seja na porrada) o sem numero de armas ilegais na posse de meus primos arabes muculmanos, para dar finalmencia as aspiracoes atomicas iranianas, para repatriar os imigrantes ilegais e primeiramente erradicar a Ditadura do Supremo Tribunal de Justica e restituir o equilibrio natural entre os 3 poderes.
    Smutrich, Ben Gvir, Goldknopf, Der’hi e demais sao MIL VEZES preferiveis a Meirav Michaeli(neta do braco direito de Adolf Eichmann, Rudolph Kastner), Tamar Zandberg(fanzoca do bemfalecido e malbarbeado Arafat), Zahava Gal’On(emula da Maga Patalojioka), Mansour Abbas(nada a ver com o meu camelo Mansour), Ahmed Tibbi(conselheiro e confidente do bemfalecido) e Yair Lapid(nosso vistoso , derrotista e incapaz (quase) ex-primeiro ministro)
    2. Kahana demonstrou que nao passa de um oportunista desprovido de coluna vertebral. Piloto/heroi de guerra/ soldado peitudo ou coisa do genero nao sao atestados de inteligencia, tirocinio politico e integridade. Em Israel ja’ ‘ foi provado, reprovado e comprovado que um curriculoo militar nada tem a ver com um curriculo politico. Ehud Barak esta’ ai’ para comprovar…
    3. A histeria da movimentacao esquerdista contra a “transformacao de Israel em um Estado Teocratico” e’ parte do seu empenho na deslegitidmacao de um governo que ainda nao fundou suas bases e nem foi instituido.
    Em resumo, querido: Calma que Israel e’ nosso!
    Abraco em todos do sempre

    Zyiad Abu Gal(o beduino que nao tem medo dos religiosos Judeus e continuara’ fazendo tranquilamente suas 5 preces diarias voltado a Santa Meca)

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