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Bibi planeja tomar posse na quinta-feira. Avançam exigências dos partidos religiosos e críticas da mídia e setores liberais

Na terça-feira pela manhã, dia 27/dez o Knesset aprovou por 63 votos a favor contra 55, uma lei que altera o capítulo “O Governo”, da Lei Básica de Israel. Foram duas alterações. A primeira cria a posição para Bezalel Smotrich com status de ministro, no Ministério da Defesa que será dirigido por Yoav Gallant, do Likud. O piromaníaco Smotrich, como parte da mídia israelense está definindo, terá o comando da Cisjordânia (da Judeia e Samaria): construções israelenses e palestinas, segurança, infraestrutura. O poder de decidir está sendo concedido ao sujeito que planejava, incentivava e apoia invasões de terras pelos religiosos judeus e também bradava pela expulsão dos palestinos. O que isso irá resultar, ninguém é capaz de dizer.

Por outro lado, Gallant é um ótimo nome para Ministro da Defesa. É um major-general da marinha, tendo participado da Segunda Guerra do Líbano e da Operação Chumbo Derretido. Foi ministro das últimas gestões de Bibi, desde 2015 até 2021, passando pelos ministérios da construção, da aliyah e integração e da educação, sua última pasta. Foi chefe do Estado Maior do IDF em 2010 no governo de Ehud Barak.

Até hoje, novos ministérios eram resolvidos por leis provisórias e não uma alteração na Lei Básica, que se tornou permanente at[é ser novamente modificada. A Lei Básica é o mais próximo que Israel tem de uma Constituição. E as mudanças nesta lei são por maioria simples do parlamento.

A segunda alteração é especificamente voltada para permitir o condenado Arie Dery voltar a pasta de Ministro do Interior. O texto foi alterado definindo que “torpeza moral” como fator impedidor de escolha de ministros só pode ser aplicada a condenados sob custódia. Dery está com a sentença suspensa, portanto isso não mais impede sua posse. O juiz que se disse enganado por Dery quando o réu se comprometeu em juízo a não voltar à política ou a cargos no governo e com isso escapou da torpeza moral e conseguiu a suspensão da pena, declarou que não pode tomar nenhuma atitude antes de Dery ser formalizado como ministro, porque até o momento, tudo é apenas provisório e intenção.

Nesta quarta-feira será votada e igualmente a aprovada a lei que dará amplos poderes ao piromaníaco número 2, o Itamar ben Gvir para de fato comandar todos os sistemas de segurança interna de Israel, o que é uma temeridade. Também por outro lado, uma das primeiras medidas que ele anunciou que vai tomar está corretíssima: a criação de um departamento do Shin Bet para lidar com a onde de crimes que atinge a comunidade árabe-israelense já há mais de dois anos. Somente até o dia de hoje, foram assassinados 155 árabes israelenses em disputas que não estão claras se são familiares, tribais ou ligadas ao crime. A polícia não esclareceu nada, em parte porque muitos dos envolvidos num assassinato, são por sua vez mortos em assassinatos seguintes. É uma bola de neve e sangue ladeira a baixo.

AS NOVAS EXIGÊNCIAS ANUNCIADAS

O UTJ – Judaísmo Unido pela Torá, está exigindo que seja cancelada a desativação progressiva das redes de telefonia 2G e 3G em Israel. Pelo que se conhece tecnicamente, principalmente para a adoção do 5G as faixas de frequências anteriores precisam ser liberadas. Não é uma questão política, mas técnica. Pode causar espanto ao leitor brasileiro saber que ainda existe 2G no país do desenvolvimento tecnológico. E explicação é bizarra e simples. A ortodoxia judaica em Israel é absolutamente contra a Internet. Utilizam o que eles denominam de ‘telefones kosher’, que não possuem acesso à Internet, permitindo apenas chamadas e SMS. São telefones que no resto do mundo estão no lixo. Mas em Israel existe um mercado para milhões de aparelhos que custam a merreca de 18 dólares. O UTJ afirma que não vai permitir a desativação do 2G e 3G declarando que as empresas de telefonia não estão se importando com o desejo dos consumidores. Dias atrás uma loja de celulares pertencente à ultra-ortodoxos, em Mea Shearim, que vendia tanto celulares kosher como comuns, foi incendiada por outro grupo de ultraortodoxos. E não é a primeira vez que isso acontece.

O Sionismo Religioso e o Otzma Yehudi agora que passaram lei favorável a eles, querem passar uma lei desfavorável aos outros. Pretendem criar uma quarentena de três anos para um general do IDF poder ser eleito para o Knesset após sair das forças armadas.

Avi Maoz criou lista de personalidades LGBTS+, é o que mostrou o jornalista Nadav Eyal, do jornal Yediot Aharonot na quinta-feira passada. Alguém vazou o documento de 2019 para ele e partes foram publicadas no jornal e em vídeos nas mídias sociais. Maoz criou e mantinha uma lista muito completa de jornalistas da TV, rádio e mídias sociais, de personalidades da TV, de cantores, de artistas de TV, teatro e cinema que abertamente sabe-se pertencerem à comunidade LGBTS+ e outros que Maoz “acha” que são. Além da lista o documento caracteriza as atividades destas pessoas desde o ano de 2001, demonstrando uma enorme ansiedade por “informações sobre o inimigo”. Uma das ONGs LGBTS+ já entrou na justiça contra Maoz, por causa da divulgação deste documento. Qual é a causa jurídica, ainda não ficou claro.

Mas não era apenas isto. Os documentos do partido Noam, da Maoz, também categorizavam as mulheres judias que lutam pela liberdade total religiosa para elas como “mulheres de extrema-esquerda”, e listava mulheres dentro do IDF que participariam de um “complô para assumir o controle do IDF” e emponderar mulheres nas forças armadas. Maoz já prometeu publicamente acabar com as unidades femininas do IDF. Todo mundo sabe que existe a possibilidade de setores ortodoxos que já assassinaram judeus e judias LGBTS+ em paradas gay em Israel se sentirem liberados para caçar homossexuais a partir da posse de Maoz. Se você reza, reze para isso não acontecer.

O Sionismo Religioso acertou com o Likud que o rabino-chefe do IDF, que sempre foi uma posição independente, agora passará a ser subordinado e escolhido pelo rabinato-chefe de Israel, a rabanut.

Depois do general Aviv Kohavi o Comandante do IDF telefonar para Bibi Netanyahu expondo a preocupação e risco de estarem sendo colocados políticos, ainda mais os piromaníacos, na cadeia de comando militar, acima dos militares, o Smotrich fez uma dura declaração afirmando que os generais não podem se meter na política.

No dia 25 de dezembro um evento para o acendimento das velas de chanucá num salão em Jerusalém contando com centenas de soldados do batalhão ultra-ortodoxo do IDF, Netzah Yehuda, sofreu a tentativa de invasão por alguns adultos hareidim que levaram seus filhos, crianças para o ataque. Os soldados que estavam na porta impediram a entrada. Os ultra-ortodoxos de farda preta chamaram os ultra-ortodoxos de farda verde de “impuros e helenizados”, que são aqueles judeus que Yahuda a Macabi matou nas guerras contra os gregos.

Mil oficiais da reserva da Força Aérea Israelense assinaram um manifesto contra as mudanças anunciadas pelos partidos religiosos.

Orit Strok, uma senhora, parlamentar também do Sionismo Religioso, em entrevista à rádio pública Kan, afirmou que vai ser passada uma lei permitindo os médicos recusarem tratar pacientes por motivos religiosos (dos médicos) se houver outro médico disponível para realizar tal tratamento. O juramento médico em Israel é para tratar qualquer ser humano. Mas os intolerantes querem permitir aos médicos religiosos que não tratem pacientes que eles considerarem que ferem sua religiosidade. Quando soube, Bibi Netanyahu se pronunciou declarando que isso não existia, mas o jornalista da Kan tuitou uma foto do texto do acordo entre o Likud e o Sionismo religioso, mostrando que isto está lá.

Recusar atender cliente e prestar serviços por motivos religiosos, também está na agenda do Sionismo Religioso kahanista, com cláusula similar a da negação de tratamento médico: desde que exista a oferta do mesmo produto ou serviço, em local ou por empresa próxima, pelo mesmo preço. A lei israelense atual pune quem se recusar a atender clientes. O que está em jogo aqui, e acima, em primeiro lugar é a intolerância completamente racista à comunidade LGBTS+: veremos plaquinhas, de “não atendemos gays”. Isso por pessoas que acreditam que as placas de “não atendemos judeus” era uma punição divina acertada contra “judeus pecadores”. Rapidamente teremos comércios que não atenderão árabes e outros que não atenderão mulheres. Quem sabe outros ainda, não atenderão reformistas, liberais e seculares, os judeus que “são a escuridão”, com Maoz já deixou bem claro.

Junte isso com o aumento do número de praias separadas entre homens e mulheres e a obrigatoriedade de separar homens das mulheres nos eventos públicos, e em dias ou semanas, quando vier algum antissemita dizer que Israel é um estado com apartheid, vamos ter que responder: sim, lamentavelmente é.

Repito a pergunta que fiz na semana passada e que os editorialistas dos jornais israelenses não têm a coragem de fazer: Bibi Netanyahu está mentindo para quem? Para os ultraortodoxos piromaníacos que pretendem perseguir mesmo a comunidade LGTBS+, as mulheres, os árabes, os Reformista, os Liberais, os seculares, os ortodoxos e ultra-ortodoxos que não são como eles; ou ele está mentindo para o restante da sociedade afirmando que nada mudará no status quo da sociedade israelense?

Três dias para a resposta começar a ficar clara.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: de costas para a realidade, ortodoxo com seu telefone kosher em Jerusalém. Foto de Alexander Kluge CC 2.0.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.