Primeiro Relatório – Inteligência militar
Análise dos relatórios oficiais da comissão de inquérito das Forças de Defesa de Israel sobre o 7 de outrubro de 2023. Imagem: detalhe no kibtuz Kfar Aza.
Foi divulgado à imprensa em Israel o primeiro relatório oficial da investigação das FDI sobre o 7 de Outubro. Este relatório analisou a área de inteligência militar desde o ano de 2014. O texto é enorme. Decidi publicar em tradução direta, os pontos que considerei mais relevantes, levando em conta que todos são relevantes.
1) Não havia evidências sugerindo que a divisão interna em Israel sobre a reforma judicial tenha contribuído para os planos do Hamas de realizar o ataque, já que ele foi planejado inicialmente um ano antes. (OBS: ou seja, os investigadores concluíram que a ebulição social em Israel não foi o fator causador ou propiciador do ataque. Em vários momentos do relatório mostra-se que houve recebimento de informações muito completas sobre o plano de ataque. Não apenas o chamado “Muralha de Jericó” de 2022, mas também sua forma inicial em 2018. Imagina-se que houve a possibilidade do ataque em 2019, 2021, 2022 e finalmente em 2023, não tendo sido realizado nas duas datas anteriores por questões de preparo incompleto do Hamas e não por questões do que acontecia em Israel.)
2) A investigação descobriu que a conduta, a tomada de decisões e as informações de inteligência das Forças de Defesa de Israel (IDF) na noite entre 6 e 7 de outubro foram baseadas em anos de avaliações falsas sobre o Hamas. (OBS: o general Haliva não foi “o” que permitiu ataque devido às suas suposições falsas – 100% já confirmadas -, mas apenas o último de uma linha de oficiais de todos os níveis, pelo menos nos nove anos anteriores a pensar da mesma forma. Isto é, Haliva não era quem determinava a forma errada da Inteligência Militar pensar, mas um oficial formado nesta forma errada pensar. Melhor e pior exemplo de conceptzia.)
3) Como resultado, oficiais de inteligência em todos os níveis não conseguiram fornecer um aviso sobre o que estava por vir: o ataque do Hamas em 7 de outubro. (OBS: a conceptzia era propagada ao longo de toda a cadeia de comando da Inteligência Militar.)
4) (Obs: sobre a ativação de SIM cards em Gaza, na madrugada do dia 7 de outubro, sabendo-se que os SIM cards monitorados eram uma operação do Shin Bet, é algo mais complicado do que pareceia.) De acordo com a investigação, os cartões SIM são ativados com relativa frequência em Gaza, pelo menos 10 vezes por ano, embora geralmente não dezenas de uma só vez. Vários cartões SIM também foram ativados em 5 de outubro, assim como em outro dia nas semanas anteriores ao ataque. Além disso, dezenas de cartões SIM foram ativados exatamente um ano antes, quando o Hamas havia planejado inicialmente lançar seu ataque a Israel.
5) (Obs.: segundo o relatório, existiram cinco sinais claros de inteligência que apontavam para o ataque. Apenas os SIM cards foram revelados. Os outros quatro estão com embargo de divulgação. O fato do general Hertzi Halevy não querer “queimar” suas fontes vivas em Gaza, foi confirmado.) O Shin Bet, às 3h30 (de 7 de outubro), redigiu um relatório sobre os acontecimentos, afirmando que o Hamas estava agindo de acordo com sua rotina e não estava interessado em uma escalada.
6) Entre 4h e 4h30, Halevi fez uma ligação com Finkelman, na qual o chefe do Diretório de Operações, Maj. Gen. Oded Basiuk, também participou. Na ligação, Finkelman descreveu a situação para Halevi, incluindo todos os sinais indicativos e suas explicações, e afirmou que, de acordo com os oficiais de inteligência, a ameaça potencial não era iminente. Halevi levantou possíveis ações do Hamas na ligação, incluindo infiltrações pelo mar, pelo ar ou usando túneis.
7) A cerca de Israel na fronteira com a Faixa de Gaza não foi projetada para impedir uma invasão em grande escala, mas para lidar com distúrbios na fronteira e atrasar ou perturbar infiltrações limitadas. A IDF tinha excessiva confiança na cerca da fronteira, o que também levou à redução do destacamento de tropas na fronteira. (OBS: isso confirma a informação divulgada por um programa de TV da PBS americana, que entrevistou pessoas em Israel, inclusive um general aposantado que estava no comando do entorno de Gaza quando o muro/cerca começaram a ser construído e que disse exatamente o que está no realtório. Ele falou em novembro de 2023 e pouca gente escutou.)
8) Em 7 de outubro, grandes partes da percepção de Israel sobre Gaza desmoronaram, incluindo a crença de que o conflito com o Hamas poderia ser “gerenciado”; que o Hamas não iniciaria uma invasão terrestre em grande escala e surpresa; que a inteligência forneceria um alerta antecipado; e que a cerca da fronteira e as tropas poderiam defender contra um ataque. (Obs.: todas as premissas e inteligência estavam erradas.)
9) As percepções de Israel sobre Gaza eram “enraizadas e profundas”. Ao longo dos anos, não houve tentativas significativas de questionar essas percepções, e nenhuma investigação adequada foi realizada para pensar “Onde estamos errados?” (Obs.: eu acrescentaria, “será que estamos errados?”. Em outra parte do relatório é dito claramente que a Inteligência Militar superestimava sua própria capacidade e subestimava a capacidade do Hamas.)
10) O Diretório de Inteligência Militar assumiu erroneamente que o líder do Hamas, Yahya Sinwar, era um pragmático que não buscava uma grande escalada com Israel, mesmo que pregasse a destruição de Israel, e que o grupo terrorista via sua guerra de 2021 com Israel como um fracasso e estava focando suas capacidades no lançamento de foguetes, e não em uma invasão terrestre.
11) Embora o Diretório de Inteligência tenha recebido informações em 2022 descrevendo uma invasão terrestre em grande escala de comunidades fronteiriças israelenses e postos da IDF, isso foi descartado como algo que o Hamas considerava uma aspiração, e não prático.
12) O Diretório de Inteligência obteve uma das primeiras versões do plano em 2018, que afirmava que “forças de cinco companhias Nukhba devem atacar e destruir os postos pertencentes à Divisão de Gaza… tudo será feito acima do solo… com fogo de foguetes… atacar os kibutzim para tomar reféns… focar em locais críticos… transmitir ao vivo dos postos e kibutzim.” (OBS: ainda não foi publicado abertamente quem era o comandante de 2018 e qual foi a avaliação completa e errada dele sobre este primeiro plano que não parece ser diferente do segundo, apenas menor.)
13) A investigação atribui parte das falhas do Diretório de Inteligência à cultura defeituosa do órgão, na qual os oficiais acreditavam que tinham superioridade de inteligência sobre o Hamas e não se perguntavam se poderiam ser surpreendidos pelo inimigo, acreditando que os grandes volumes de dados aos quais tinham acesso os tornavam cientes de todos os planos do grupo terrorista.
14) As investigações atribuíram o colossal fracasso de inteligência a problemas sistêmicos profundos no núcleo dos métodos e da cultura de inteligência da IDF que evoluíram ao longo dos anos.
15) (Obs.: a Inteligência Militar, imaginou que) O Hamas identificou que uma guerra com Israel teria um custo muito alto e foi dissuadido de iniciá-la. O Hamas evitou guerras com Israel por um longo período, incluindo se manter fora de rodadas de combate entre o Jihad Islâmico Palestino e Israel. Uma guerra com o Hamas provavelmente ocorreria devido a um erro de cálculo de ambos os lados ou a um gatilho que levasse o grupo terrorista a responder.
16) A Guerra de Gaza de 2021 foi um fracasso para o Hamas, após um erro cometido por seu líder Sinwar ao atirar contra Israel. O braço militar do Hamas foi severamente prejudicado nos combates, e isso seria compreendido mais tarde. O Hamas foi dissuadido de guerras por causa do resultado do conflito. (Obs.: de todas as avaliações erradas, essa é a TOP 1 e uma comprovação de que a Inteligência militar tinha uma visão completamente errada sobre o inimigo.)
17) O cenário mais grave de infiltração do Hamas incluía até 70 operantes terroristas atravessando a cerca de Gaza em dois, ou no máximo, até oito locais. (Obs.: é difícil até comentar e imaginar como analistas e comandantes chegaram a este número, 70, e se aferraram a ele até ás 7 da manhã de 7 de outubro. Portanto, não havia mesmo qualquer preparação ou planejamento, para uma invasão por 300, 500, 1.000, 2.000 ou 3.000 terroristas armados – era impossível. Eu preciso alertar a nossos leitores que um relatório de análise de informações da gradações de improvável, pouco provável, provável, muito provável, e jamais, “impossível”.)
18) Semanas antes do ataque de 7 de outubro, o Hamas organizou protestos na fronteira de Gaza. Os protestos terminaram na semana anterior ao ataque, aparentemente como parte de uma tentativa de enganar Israel, fazendo-o pensar que tudo havia voltado à normalidade. (Obs.: me recordo perfeitamente de responder a um analista top israelense (não vou dar o nome, ok), fora do circuito de governo ou militar. Ele dizia que o término dos protestos na fronteira tinha muita possibilidade de indicar a preparação de um ataque em breve. Ele estava correto. Eu respondi que o Hamas e o Hezbollah provavelmente não atacariam naquele momento, pois isso iria aglutinar a sociedade israelense que estava rachada nas ruas devido à reforma judicial e que se o Hamas fizesse isso, iria cometer um erro grave. Eu estava errado, ou o Hamas errou, não sei.)
Por José Roitberg – jornalista e pesquisador.