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Crise em Israel 3: atividades comerciais, serviços e tecnologia

Parte da sociedade israelense vê o fim da possibilidade da Suprema Corte impedir leis ou decisões ministeriais consideradas não razoáveis ou que não tenham atendido todos os requisitos sociais, apesar de estarem de acordo com as leis do país, como uma quebra do contrato social firmado entre 1949 e 1953 quando as leis forma exaustivamente discutidas, emendadas e aprovadas. Pela verdade, por uma maioria do Knesset absolutamente socialista.

Não existe uma lista aberta e conhecida de quais leis ou determinações ministeriais a Suprema Corte tomou alegando a agora extinta cláusula de razoabilidade, considerada a última barreira possível. Não fica claro que se alguma determinação do primeiro-ministro, ou lei aprovada pelo Knesset foi revogada pela corte.

Das poucas ocasiões mais divulgadas do veto por falta de razoabilidade estão a construção de estádio de futebol em Jerusalém (impedida), subsídios para bem-estar infantil para a comunidade ultra-ortodoxa além do “salário por filho” (revogado), concessão do Prêmio Israel a pessoas ligadas ao BDS ou com posições antissionistas (premiações impedidas), e transformação das escolas das comunidades israelenses no entorno da faixa de Gaza em bunkers a prova de mísseis. Em princípio, nada aí para levar o país rumo a uma guerra civil.

E não é este Zé analista que está usando o termo “guerra civil”. Políticos em Israel, ex-chefes do Shin Bet, do Mossad e da Inteligência Militar, o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert e até mesmo o rabino-chefe sefaradita Ytzhack Yossef vêm usando o termo. Pela verdade o rabino pediu para seus correligionários pararem, mas eles não o estão atendendo. Ninguém que uso o termo “guerra civil”, deseja o conflito, mas enxergam uma possibilidade verdadeira e tentam evita-la.

O termo é discutido em mesas de bares e restaurantes. É dito nas filas de supermercados, à espera de ônibus e trens. Esta na “Boca do Povo”, uma expressão bem coloquial e adequada para o caso.

O que as pessoas que se posicionam contra o governo receiam é que a retirada do freio jurídico as medias irrazoáveis comecem a ser tomadas e apontam logo de cara três. A primeira seria a demissão e substituição Gali Baharav-Miara, Attorney General em Israel. É uma posição que não existe no Brasil e não tem tradução literal. É uma assessora jurídica do governo que dirige a área executiva do judiciário e a promotoria pública. Tem também como função proteger a aplicação e regulamentação da lei, e proteger o interesse público de danos causados pelo governo. É uma posição independente, apontada pelo gabinete de governo e com mandato único de seis anos, que seria de 2022 a 2028. Sem o freio o gabinete de governo pode extinguir o mandato dela e colocar um membro da coalizão em seu lugar. A sra. Gali está absolutamente contra a reforma judicial desde o início

A segunda seria o ministro da segurança interna Itamar Ben Gvir remover todos os chefes de polícia de vários níveis que desejar, através de substituições, transferências e demissões, colocando nos postos de comando quem lhe afiançar lealdade particular. Ué, mas não é isso que acontece no Brasil? Sim é isso que acontece no Brasil, mas não é isso que acontece em Israel. Lá, os juristas afirmam que as polícias são da sociedade, dos que votam a favor e dos que votam contra o governo, sendo considerada imoral uma polícia indicada por ministros. Os ministros da justiça e da segurança interna não são “donos” da polícia. A polícia não é propriedade do estado. Sem o freio a polícia privada de Ben Gvir poderá sair do papel e ninguém imagina o que vai acontecer. Se houver uma troca de comandos baseada nos desejos do ministro, grande parte dos policiais irá se posicionar em desobediência civil, o que não tem ocorrido até o momento.

A terceira já alinhavada é o desejo publicado de Smotrich, o ministro das finanças de pegar a verba orçamentária já votada e aprovada destinada aos programas sociais para a comunidade árabe israelense e direcioná-la para as yeshivot (as escolas religiosas que não ensinam o currículo escolar “normal” para as crianças e adolescentes das comunidades ortodoxas e hareidim). Tel decisão ministerial sequer seria tentada se ainda existisse o freio e talvez agora poderá ser feita com uma assinatura: determinação de ministro e não lei.

Por conta destas três de das outras que nos surpreenderão nos próximos dias os manifestantes decidiram não sair das ruas e travar o país. São centenas de milhares, desde sábado, sem obter o mínimo sucesso além de atrapalhar a vida e os negócios das pessoas. Continua a mídia israelense sem calcular o impacto negativo na economia da vigésima nona semana de protestos.

Os 150 maiores empresários de Israel, inclusive os que controlam os shopping centers decidiram por paralisar suas atividades, o que deixará os empresários das lojas dos shoppings, por exemplo, sem faturamento. Não está claro se a paralização começa neste dia 25 ou não.

70% das Startups Israelenses, em princípio decidiram sair de Israel. ISSO SIGNIFICA DESINVESTIMENTO. Entendeu ou em preciso desenhar? O movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel) vem há mais de 10 anos tentando fazer isso, fazer com quem empresas deixem de fazer negócios com Israel ou estarem presentes lá (com praticamente zero de sucesso) e a Coalizão de Governo pode conseguir a retirada de 70% das startups. Essa situação é de chorar. É impossível imaginar um Bibi Netanyahu impassível destruindo o que ele mesmo construiu. O boom de startups com muitas tecnologias novas já adotadas em todo o mundo foi criado por ele, desde o governo do ano de 2008. Era o que de melhor ele tinha feito em Israel.

A Histadrut que é o sindicato geral de Israel deverá ordenar uma greve geral nas próximas horas ou nos próximos dias.

Mais de 10.000 reservistas das forças de defesa de Israel já assinaram documentos declarando que não vão se apresentar para os 30 dias anuais de serviço militar (que não é obrigatório como muitos pensam). Entre eles, estão mais pilotos de F-16 que o número de aeronaves que Israel têm. Estão dezenas de pilotos de drones de vigilância e operações de ataque. Estão controladores de voo militares. Estão as tropas especiais de comandos e resgate da Força Aérea além de militares de quase todas as unidades de operações especiais do exército. E o número deve aumentar nos próximos dias.

O chefe do estado-maior israelense afirmou que a capacidade de ação militar de Israel já está comprometida.

De fato, os que se recusam e os que estão nas ruas, estão forçando o parlamento eleito democraticamente a se curvar, e isso não vai acontecer. Nunca em Israel. É impossível. A polícia está usando força, pouca contra os manifestantes. Enquanto não só os partidos religiosos, mas membros do Likud querem mais força. Nenhum policial está a fim de quebrar a cabeça de um judeu que grita por democracia ou atirar numa judia que porta uma bandeira de Israel.

E toda a violência imaginada por muitos para os próximos dias é apenas pela retirada do freio, sem que nenhuma investida governamental ou ministerial tenha acontecido. De fato, nada fora da democracia e da legalidade aconteceu até o momento. Nenhuma lei que implique mesmo em quebra do contrato social foi aprovada. Como diria Shakespeare: “Much Ado About Nothing”, barulho demais por nada (em tradução livre aceita).

Resumo de 29 semanas de manifestações: “não podemos permitir que sejam feitas coisas que ainda não foram feitas…”

Ninguém morreu durante as manifestações, sequer por motivos de saúde. Até hoje. Quando acontecer, tudo muda de figura, para pior.

Nunca o amanhecer foi tão imprevisível na Terra de Israel

José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: captura de tela de uma das manifestações do dia 25/jul em Tel Aviv publicada no Instagram

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.