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Inverno e quarta fase da Guerra da Ucrânia começam no dia 21

Inexiste qualquer dúvida sobre a situação na Ucrânia prosseguir como uma guerra prolongada e cruel. O inverno se inicia oficialmente no dia 21 dezembro e com ele o campo de batalha muda de configuração impedindo determinadas ações, que veremos mais abaixo.

As três primeiras fases da guerra foram: [1] avanço russo impossível de conter com grande perda territorial para a Ucrânia, entre março e junho (primavera); [2] diminuição da capacidade russo de levar suprimentos à linha de frente devido aos seus próprios problemas de logística e aos ataques ucranianos contra comboios de suprimentos, pontes e até mesmo depósitos de combustível em território russo; essa fase também contemplou a introdução de tropas muçulmanas sunitas da Chechênia e um apoio da Bielorrússia para um avanço definitivo contra Kiev (pelo norte), avanço este que em parte foi dizimado, em parte foi impedido pela demolição de pontes; isso levou a retirada destas tropas através da fronteira bielorrussa, que está quieta desde então; estancado o avanço os russos se entrincheiraram visando manter o território que ocuparam (verão). Esta fase foi caraterizada pela destruição dos tanques russos de concepção dos anos 1960 e 1970 empregados no cenário (tanques de segunda e terceira gerações), totalmente vulneráveis as armas antitanque de quinta geração em poder da Ucrânia, já desde antes do conflito. Uma das armas principais foi o drone militar turco projetado para a função antitanque.

[3] A fase três foi o contra-ataque fulminante ucraniano, durante outono recuperando uma grande área ocupada e a cidade de Kershon. Desde a fase 2 a Ucrânia vem recebendo cada vez mais artilharia autopropulsada, mísseis de artilharia e mísseis antiaéreos a ponto de afundarem o navio capitânia russo e dizimarem batalhões blindados russo integralmente. De meados da fase 2 em diante a Ucrânia passou a utilizar drones comerciais e fotográficos comprados pela Internet e fornecedores diversos, para reconhecimento de artilharia e transporte de uma pequena bomba, lançada sobre soldados individuais, caminhões e tanques russos com muito sucesso. Na fase três a Ucrânia passou a empregar drones agrícolas bem maiores com capacidade de levar seis daquelas pequenas bombas que podem ser simples granadas de mão ou granadas de mão antitanque de concepção soviética (arma antiga e mortal contra os blindados russos igualmente antigos). Por outro lado, a Rússia, que nunca acreditou nos drones, passou a utilizar drones iranianos que nunca tinham sido utilizados em combate, com enorme sucesso. Os drones iranianos são ‘suicidas’, ou seja, se chocam contra o alvo. Nos últimos 15 dias da fase 3, as defesas antiaéreas ucranianas foram capazes de abater 65% a 70% dos drones e mísseis russos lançados principalmente contra as instalações elétricas na Ucrânia. O objetivo russo na fase 3 é o de tornar inabitáveis as principais cidades ucranianas no inverno. Sem eletricidade e sem gás não há aquecimento, não há fornecimento de água ou remoção de esgoto (pois as bombas hidráulicas são operadas por eletricidade), não há qualquer tipo de comunicação civil. De meados da fase 2 até o momento, a aviação russa desapareceu do campo de batalha, impedida pela presença dos mísseis antiaéreos na Ucrânia.

A estimativa do observatório militar britânico é do conflito de cerca de nove meses e meio apenas, já ter custado a vida de 100.000 soldados ucranianos, 100.000 soldados russos (70% da força inicial de ataque que contava com 150.000 soldados) e 45.000 civis. Não há estimativa do número de feridos, mas acredita-se que a força inicial de ataque russa tenha sido reduzida a pouco mais de 30.000 soldados aptos somente). Muitas pessoas imaginam que a Guerra da Ucrânia é um conflito de baixa intensidade, mas a violência dos combates é absurdamente alta. Como termo de comparação necessária a Guerra do Vietnã durou praticamente 20 anos, 234 meses. O envolvimento pesado dos EUA foi nos últimos 14 anos do conflito e historicamente era definido que 58.000 soldados mortos tinha sido um absurdo, uma perda enorme. Portanto, se 58.000 mil soldados mortos em 168 meses de guerra era demais, como definir 100.000 soldados mortos em nove meses apenas. A Guerra da Ucrânia é um conflito de altíssima intensidade.

[4] A fase quatro está começando e o número de baixas vai se multiplicar rapidamente. Esta fase vai até o degelo do final de inverno início da primavera, quando irá começar a fase 5, a da “rasputizia” a das estradas com lama profunda intransponível até mesmo para tanques de guerra. A fase 1 começou quando a lama da rasputizia de 2022 já estavam em profundidade aceitável e portanto, era possível passar com veículos militares. No inverno as estradas e rios congelam, permitindo o avanço de veículos militares, sem maiores impedimentos, isso se eles funcionarem. São necessários aditivos especiais para a água não congelar em torno de zero graus. O inverno na Ucrânia não é tão rigoroso quanto o dos países do centro-norte da Europa. A temperatura em dezembro e janeiro fica entre zero e -7 graus Celsius, com a maior parte dos dias entre -2 e -4 graus. Os equipamentos militares funcionam nestas temperaturas.

As baterias elétricas de equipamentos civis de comunicação, de miras eletrônicas, passam a ter a duração diminuída com temperaturas abaixo de zero. Os drones civis operam até cerca de -12 graus, sendo considerado o limite, -15 graus Celsius. Mas isso se houver como recarregá-las. Sem rede elétrica, recarga só em geradores. É normal que em cada um dos três meses de inverno aconteça, além da neve diária normal, uma nevasca depositando 1,5 metros de neve o que compromete qualquer movimentação.

Esta fase 4 será caracterizada pela população civil das cidades sem energia queimarem lenha em suas casas, exigindo muito trabalho no corte, transporte e distribuição. Todas as casas têm lareiras, apartamentos não tem. Todas as edificações que tiveram janelas destruídas por explosões, mesmo que as estruturas não tenham sido danificadas, ficarão inabitáveis durante o inverno. Não é possível queimar lenha dentro dos 13.000 bunkers da era soviética existentes no país. Ainda assim, as pessoas o farão, até porque sem abastecimento de água, precisarão derreter gelo e neve apenas para ter água para beber diariamente. A queima de lenha em locais onde não seria imaginável o fazer terá como consequência intoxicações e mortes por asfixia e incêndios. Quando a lenha acabar ou faltar, o natural nestes casos é queimar madeiramento de casas e móveis. E o risco passa a ser muito maior pois irão para o fogo vernizes, tintas e vedantes que produzem fumaça altamente tóxica. Sem energia, todos os alimentos vão ficar congelados e impossíveis de serem consumidos sem aquecimento.

No campo de batalha, a Rússia vai introduzir dos 300.000 reservistas que convocou. São cidadãos que não tem mais necessariamente aptidão física para o combate, não tem vontade para o combate, tem o mesmo treinamento das tropas que foram já dizimadas e serão equipadas com armamento ainda de pior qualidade. A Rússia deverá recorrer as táticas da Segunda Guerra Mundial de sobrepujar posições inimigas enviando um número desnecessariamente grande de soldados contra as posições, tendo enormes baixas, mas vencendo cada confronto. A vida do soldado russo nunca importou para seu governo ou comandantes. Encontrarão tropas ucranianas já experientes em combates, com cerca de 5.000 homens a cada mês indo para a Inglaterra e recebendo treinamento militar avançado da OTAN. Estima-se que já estejam no cenário de combate 35.000 soldados com treinamento avançado ocidental. Os ucranianos se mostraram mestres e emboscar tropas e tanques russos e estes 300.000 reservistas vão se ferrar lá numa luta abaixo de zero. A artilharia alemã de precisão, com pontaria por GPS empregada pela Ucrânia vai cobrar um preço muito alto aos russos no inverno.

Existe uma pergunta recém-respondida por analistas norte-americanos e israelenses, dos motivos pelos quais os russos não enviaram seus tanques T-14 de última de geração para a Ucrânia, mantendo suas formações blindadas essencialmente com o T-72 (1972 ano de entrada em utilização) e com o T-60 (isso mesmo, 1960). Pergunta: você faria uma viagem entre Rio e São Paulo numa kombi 1960? É assim que a Rússia foi para a guerra moderna. Até hoje, foram construídos apenas 34 tanques T-14. Somente três foram enviados para Síria e dois foram retirados da frente de batalha depois de um ser destruído por armas antitanque até mais antigas em uso pelo Estado Islâmico. O T-14 tem um canhão automático com sistema de mira computadorizada para qualquer condição de tempo. Decorre que a mira é francesa pois a Rússia não possui tecnologia de eletrônica militar avançada. As miras entraram no embargo a partir de março de 2022 e os para os 32 exemplares restantes removeram os sistemas franceses e adaptaram um sistema russo mais antigo, do T-90. Um destes participou da última parada pela vitória na Segunda Guerra Mundial, na Praça Vermelha em Moscou e simplesmente enguiçou durante a parada precisando ser colocado sobre um caminhão transportador de tanques para sair dali horas depois. Isso tudo foi filmado.

Se você é um leitor interessado na Guerra da Ucrânia e tentando entender porquê os russos entraram em combate com blindados e caminhões antigos, e imagina onde estariam os modernos, a respostas dos analistas militares ocidentais é simples: não existem veículos militares russos modernos.

Análise de José Roitberg – jornalista e pesquisador baseada em análises militares públicas e de ONGs de análise dedicadas a Guerra da Ucrânia, da Inglaterra, EUA, Israel e Forças Armadas Brasileiras.

Imagem: ilustrativa, visão para o inimigo de um soldado numa posição de defesa com um AK-47 na névoa de campo de batalha

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.