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Igreja Anglicana se desculpa com os judeus 800 anos depois

Oitocentos anos é quase nunca. Bem, antes muito tarde, não é. No domingo passado, 8/mai/2022 um serviço religioso especial na Catedral da Igreja de Cristo, na cidade de Oxford, na Inglaterra trouxe um pedido de desculpas que os judeus jamais imaginaram iria acontecer.

O evento foi previamente anunciado e contou com a participação do rabino-chefe da cidade e membros da comunidade judaica. É preciso saber que a Igreja Católica Inglesa (Anglicana) só foi criada nos anos 1530 quando o rei Henrique VIII rompeu com o Papa. Sendo assim, pela verdade, não foram os anglicanos que adotaram as medidas abaixo.

As desculpas são relacionadas ao Sínodo de Oxford do ano de 1222, onde os anglicanos aderiram aos decretos do Quarto Concílio Laterano (de Latrão), acontecido sete anos, em 1215, em Roma. O Papa era Inocêncio III e foram emitidos 71 decretos (cânones) sobre as Cruzadas, Igreja, Reforma e Heresia.

O primeiro cânone de 1215 introduziu a “transubstanciação”, quando o vinho e a hóstia consumidos pelos fiéis durante a missa se transformam no sangue e carne de Jesus.

Os cânones sobre os judeus são os seguintes:

67 – Prevenir os judeus de cobrarem juros excessivos (obs: séculos depois da Igreja obrigar os judeus a trabalharem com empréstimos e penhores com juros).

68 – Obrigatoriedade de código de vestimenta especial para Judeus e Sarracenos, para os distinguir dos cristãos, para que nenhum cristão venha a se casar com um deles ignorando quem sejam. (obs: sarracenos era a forma linguística mais comum para os cristãos na Idade Média se referirem aos árabes, sendo estes muçulmanos ou não).

69 – Desqualificação dos judeus de qualquer trabalho público, incorporando esta determinação à lei eclesiástica, por decreto a todo o Sagrado Império Cristão. (obs: qualquer judeu empregado do Estado, de reis, príncipes, duques etc, perderia o emprego. Da mesma forma que cortam o trabalho com empréstimos e penhores, os cobradores de impostos judeus – profissão à qual os judeus foram obrigados pela Igreja – agora não podem mais exercer a função).

70 – Os judeus convertidos ao cristianismo não podem manter práticas do rito anterior. (obs: prescreve medidas para impedir os judeus que se converteram a retornar ao judaísmo).

Em 1222, a implementação dos decretos de 1215 na Inglaterra foram mais duros. Proibiram a interação entre judeus e cristãos, os judeus foram obrigados a costurar nas roupas (na altura do peito) um distintivo de pano no formato das Tábuas da Lei, além das profissões públicas os judeus foram banidos de outras, e também, foram proibidas as construções de novas sinagogas.

Algumas décadas depois, no final do século 13 novas leis inglesas proibiram os judeus de possuir terras e de deixarem heranças para os filhos. Algumas centenas de judeus foram presos, enforcados ou jogados para apodrecer nas masmorras. Em 1290, um decreto do rei Edward I expulsou os 3.000 judeus que foram localizados na Inglaterra. A volta dos judeus só foi permitida no ano 1650.

Eclesia et Synagoga em Nossos Tempos, escultura de Joshua Koffman

O símbolo deste evento e das desculpas pedidas pelos anglicanos e aceitas (pelo menos pela maioria dos judeus) é uma estátua muito inédita. Trata-se de uma versão atual do tema antijudaico da Igreja Católica, Eclesia et Synagoga, onde a Igreja é sempre altiva e a Sinagoga é sempre quebrada. Desta vez, ambas estão lado a lado, cada uma com seus textos. O escultor é Joshua Koffman, Americano da Filadélfia.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.