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Memorial do Holocausto do RJ sedia evento nacional de 27 de janeiro

Parece que foi ontem, mas dias atrás tivemos a décima sétima edição do Dia em Memória às Vítimas do Holocausto, criado pela ONU, em 2005. Na época não sabíamos se esta data ia “pegar”. Nós judeus celebramos o “Yom a Shoa”, Dia da Catástrofe na data do Levante do Gueto de Varsóvia, 19 de abril de 1943, desde o ano de 1947.

A ONU escolheu o dia da libertação do Campo de Concentração, Trabalho Escravo e Extermínio, de Auschwitz, na Polônia ocupada pela Alemanha nazista, em 27 de janeiro de 1945, pelas tropas soviéticas.

Nossos eventos de Yom a Shoa são eventos especificamente judaicos, onde lembramos de nossos quase seis milhões de assassinados. A ONU quis ampliar a memória para todas as vítimas do genocídio nazista. Não foram só nossas famílias. A vereadora Tereza Bergher citou a luta de 20 anos do falecido marido dela, o deputado Gerson Berger, para que uma PPP finalmente viabilizasse o espetacular Memorial do Holocausto que leva o nome de Gerson.

Praça Rogério Jonas, no parque Itzhak Rabin, onde está localizado o Memorial do Holocausto Gerson Berger. Fotos de José Roitberg.

E este memorial não é somente judaico. Arquitetonicamente sua área interna é circular. O círculo menor hoje é a área de auditório, equipada com um telão de projeção multimídia de 180 graus. Cerca de 70% do círculo intermediário recebe uma incomum, enorme e completíssima coleção de fotografias desde o início do século 20 até após a libertação dos campos, além de dezenas de telas com vídeos de sobreviventes, e equipamentos multimídia de última geração, todos voltados ao tema judaico, principalmente.

Parte da exposição de fotos e painéis multimídia do Memorial do Holocausto do Rio de Janeiro. Fotos de José Roitberg.

Já o círculo externo, a maior área, também com pelo menos 70% da circunferência total, vai receber, de forma única e inédita no mundo, as exposições de fotos e materiais de todas as outras minorias arrastadas ao genocídio pelos nazistas alemães e os aliados deles, além de uma área educacional para crianças, conforme me disse o presidente da FIERJ e o homem que tocou esta obra, Alberto Klein. No muro esquerdo do acesso à área de exposição do memorial, estão gravadas em relevo os nomes das comunidades europeias onde viviam os judeus exterminados.

Parte superior do Memorial do Holocausto do Rio de Janeiro. Foto de José Roitberg

Acima, existe uma praça completamente acessível para cadeirantes e quem precisa de ajuda para se deslocar, onde podem ser realizados eventos ao ar livre, nunca no verão carioca, é claro. Esta data de 27 de janeiro, inverno no hemisfério norte é complicada para nós aqui no Brasil. E nesta praça que homenageia nosso amigo, colega de escola e benemérito da Comunidade Judaica Fluminense, Rogério Jonas Zilberstein, o inesquecível Rogerinho, fica erigido o memorial, propriamente dito, na mais pura arquitetura brutalista, remetendo a chaminé do crematório de Mauthasen, em Lublin, na Polônia. Nele, apenas duas palavras foram gravadas: Não Matarás. Uma obra enorme, bruta mas bela, cercada pelas árvores e rodeada pelo azul céu carioca tendo ao fundo o Pão de Açúcar.

Muitos perguntam como o Rio de Janeiro conseguiu angariar a quantia necessária para a construção desta instalação sem igual no mundo, dedicada a educação. A obra está no Rio, criada por lei de vereadora do Rio, idealizada por deputado do Rio, com parceria público privada com a prefeitura do Rio, mas é uma obra construída com o aporte financeiro de doadores comunitários de todo o Brasil, principalmente de São Paulo, numa iniciativa capitaneada pela Conib, talvez também a primeira neste formato na história da Comunidade Judaica Brasileira.

O Evento do dia 27

A apresentação do evento teve a direção da curadora do memorial, a professora e amiga Sofia Débora Levi, a qual desejamos um grande e doce Mazal Tov (boa sorte, em hebraico). Discursos curtos da vereadora Teresa Bergher, do ministro do STJ Messody Azulai do presidente da FIERJ, Alberto Klein, do presidente da Conib, Cláudio Lotemberg, do dr. Renato Lima Neto, procurador geral de justiça do Estado do Rio de Janeiro, do adido de defesa da embaixada de Israel em Brasília, Simeon Gomburg, a representante do Centro de Informação da ONU no Brasil, Roberta Caldo, o subsecretário da Zona Sul, Flávio Vale, representando o prefeito, e Alfred Sobotka, sobrevivente do Holocausto e cônsul honorário da República Tcheca no Rio de Janeiro.

A professora Sofia Déborah Levi, curadora do Memorial ao lado de um companheiro da Conib, dirigindo a cerimônia. Retirado de vídeo oficial do evento da Conib.

Junto com Sobotka (à direita na foto de abertura do post), acenderam a sexta vela (seis velas para seis milhões de judeus mortos), os sobreviventes Jorge Tredler, Rolande Fischberg, Amalia Guelman Baranek, Robert Somlo, e o rabino Eliezer Stauber, juntos com representantes de todos os movimentos juvenis do Rio de Janeiro: Habonim-Dror, Chazit Hanoar, Hashomer Hatzair, Bnai Akiva e Betar.

Preparando para acender a vela flutuante, o rabino Stauber segura o shamas, enquanto os jovens dos movimentos juvenis se posicionam.
À esq do rabino está Rolande e à direita, Sobotka, Tredler e Somlo. Foto de Anamaria Moritz Roitberg.

Mas pouco se diz sobre os 60 anos que a ONU levou para estabelecer uma data em memória a todas as vítimas. Só na Polônia, as tropas da Alemanha Nazista e também da divisão da SS Ucraniana assassinaram praticamente 6 milhões de poloneses: 3 milhões de judeus e 3 milhões de católicos. Óbvio que os católicos merecem e precisam serem lembrados.

Católicos foram escravizados na França, Holanda, Áustria, Bélgica, Polônia, Lituânia, Estônia, Romênia, Tchecoslováquia e enviados como mão de obra para as fábricas da máquina de guerra em seus próprios países ou na Alemanha e Polonia. Também morrendo pelo esforço ou executados. É óbvio que merecem e precisam serem lembrados.

Freiras, padres e bispos católicos esconderam e ajudaram judeus a escaparem. São lembrados no Yad Vashem em Jerusalém como “Justos entre as Nações”. Mas os clérigos católicos opositores ao nazismo que foram enviados para campos de concentração e extermínio também precisavam serem lembrados.

Apenas os judeus e os ciganos foram considerados pelas autoridades da Alemanha Nazista como seres não-humanos, incapazes para o trabalho, para a criação intelectual e para aprender. Apenas na Alemanha e Áustria viviam 30.000 ciganos Roma, deportados para os campos de extermínio na Polônia ocupada tendo o mesmo destino cruel dos judeus. O número exato de vítimas não se conhece. Antes da guerra, estimasse terem vivido na Europa um milhão de ciganos. No final da guerra, estavam ausentes cerca de meio milhão.

Prisioneiro 20.285 homossexual em Auschwitz, teve o mesmo destino dos judeus. Arquivo Yad Vashem colorizada.
Sabe-se que o primeiro nome dele era Walter.

Aos homossexuais alemães sequer foi dado o direito de serem nazistas. Foram arrebanhados logo no início, para trabalho escravo e receberam em seus uniformes listrados o triângulo rosa. Foram mortos, essencialmente, pelo esgotamento.

Mas os deficientes físicos alemães, tão luteranos ou católicos quanto seus algozes nazistas alemães, não tinham mais espaço numa teoria racial que pretendia criar o super-homem de Nietzsche. Uma raça de super loiros arianos, comandada por morenos super loucos nazistas teria que se livrar de todos os deficientes. E foi de uma forma mais cruel que o destino dos judeus. Com os deficientes físicos os professores doutores em medicina da Alemanha nazista testaram, cientificamente e burocraticamente, quais venenos e pesticidas matavam as pessoas de forma mais eficiente, rápida e barata. Portanto, nem se pode imaginar o sofrimento e agonia daquelas pessoas expostas a produtos químicos que não cumpriam a exigência de morte rápida. E este precisam serem muito, mas muito lembrados mesmo.

Uma das fotos raras, maquinista negro em Berlim no no de 1908 – colorizada

Como precisam ser lembrados os comunistas alemães e os democratas alemães, os Testemunhas de Jeová, que são opositores de consciência e não aceitavam se submeter ao nazismo e os negros, principalmente de origem africana e filhos das tropas coloniais francesas que ocuparam vários setores da Alemanha após o término da Primeira Guerra Mundial.

Se ainda existe muito o que ensinar sobre o destinos dos judeus durante o Holocausto, existe mais ainda a ensinar sobre as outras minorias e sobre as populações católicas também escravizadas pela Alemanha Nazista e os aliados dela.

A área externa é aberta permanentemente, existem algumas vagas de estacionamento gratuito e um pequeno trailer que oferece refrigerantes e sanduíches, bem conhecido e está há 20 anos ali no alto do Morro do Pasmado. Para visitar a exposição é necessário retirar o ingresso GRATUITO pelo Sympla. As visitas tem horários agendados e são acompanhadas por monitores que oferecem todas as explicações que o visitante necessitar.

https://bileto.sympla.com.br/event/79824/d/177805

Por José Roitberg – jornalista e pesquisador

https://www.youtube.com/live/pNkCXJN0mJQ?feature=share&t=1527

A cerimônia completa pode ser assistida a partir deste link no perfil da Conib.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.