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Ministério da Economia de Israel quer obrigar escolas religiosas a um currículo secular mínimo

Esta é uma das questões mais antigas da educação em Israel. As yeshivot (escolas religiosas para meninos e solteiros) e o sistema kolel (para homens casados) utiliza 40 horas semanais para estudo exclusivo da Torá, Tanach, Talmud, outras leis religiosas (halachot), ídiche conversacional (mas não escrito ou lido) além do hebraico necessário para ler a Torá, principalmente, e é só isso. Já na terceira década do século 21 estas crianças não recebem ensino algum de matemática, ciências, geografia ou história judaica (fora da Torá) e muito menos da história mundial.

A primeira vista se poderia dizer: mas isto é absolutamente correto; as escolas são religiosas. Por outro lado, tais escolas não formam rabinos, sacerdotes ou clérigos. A imensa maioria dos alunos tornam-se apenas cidadãos. Seria correto cidadãos com 15 ou 20 anos de escolaridade diária terem negados os tópicos que, em princípio, todos os seres humanos deveriam aprender? Existe um número considerável de jovens israelenses oriundos de yeshivot com dificuldades seríssimas para entrar no mercado de trabalho ou em uma universidade, por lhes faltar os conhecimentos gerais mais básicos. É por isso que se discute.

O estabelishment rabínico ortodoxo e ultra-ortodoxo (à exceção do movimento Chabad), diz que sim. O apoio dos dois rabinos-chefes ao não ensino é total e “sempre foi assim”. Lamentavelmente estes grandes, médios e pequenos rabinos, em cujos cérebros inexiste sua própria história, simplesmente não sabem que a realidade que pregam, a do ensino restrito aos temas religiosos e ao ídiche, não é o formato judaico e sim a definição antissemita mais duradoura e bem-sucedida da história. Uma definição que nos mudou para sempre e foi estabelecida em 1795.

Quando a imperatriz russa Catarina A Grande, uma cristã-ortodoxa russa, criou a Zona de Assentamento Judaico Obrigatória, o PALE (em inglês) ou POYLN (em ídiche), como zona tampão entre os impérios Russo e Austro-Húngaro, uma das inúmeras leis específicas para os judeus era a proibição de frequentar as escolas públicas, contraposta com a liberdade total dos judeus criarem e gerirem suas próprias escolas. Os temas a serem ensinados, eram exatamente os mesmos, que contemporaneamente a ortodoxia se encanta e defende a papéis e velas. Praticamente todos os judeus que viviam na Rússia foram obrigados a migrar para o POYLN, a exceção dos que eram médicos, principalmente e das prostitutas judias que podiam morar em qualquer cidade.

Observação importante: “pale” é uma definição cartográfica britânica e nada tem a ver com “palestina”, nome dado à Judeia pelo Império Romano no ano 135 EC, ou “Polen”, a forma em ídiche de nomear a Polônia, cujo nome na língua polonesa é Polska.

A finalidade russa era distanciar intelectualmente e profissionalmente os judeus dos cristãos, impedindo os judeus de aprender o que todos aprendiam. Apenas 25 anos depois da Revolução Industrial já estava em curso, bem como o processo de urbanização, da mudança social do trabalhador individual e artesão para trabalhador assalariado em fábricas, a necessidade de ampliar o ensino, a criação de universidades por todo o mundo ocidental, enquanto, cerca de oito milhões de judeus no POYLN permaneciam nas particularidades.

Existiram exceções. Outra lei, permitia aos judeus enviarem seus filhos com 14 anos para serem aprendizes nas forças armadas (algo comum na Europa – eram auxiliares nos quartéis e não soldados combatentes). Tal lei declarava que estes meninos judeus teriam o ensino completo, nas escolas militares e que após completarem o serviço militar (era de 19 anos, e não apenas um), poderiam residir em qualquer local do Império Russo, inclusive em Moscou. Os historiadores estimam que ao longo do século 19 cerca de 8 a 9 mil meninos judeus participaram deste programa.

Quando o operariado urbano se forma, os judeus que viviam nas grandes e médias cidades do POYLN são obrigados a ir para as pequenas ou para as aldeias. Tais aldeias eram os shtetels, aldeias judaicas criadas neste processo de migração populacional no início do século 19. Todas as linhas ideológicas judaicas, hoje ortodoxas místicas, foram criadas em pequenas cidades do POYLN, bem como o iluminismo judaico, o movimento da Haskalá, com sua gigantesca produção de literatura e teatro ídiche. Por que não escreveram em russo? Lembre: russo não podia ser ensinado nas escolas dos judeus. Assim, quando o mundo chega a 1850, já existe um abismo educacional entre os judeus e os cristãos-ortodoxos no Império Russo e também um abismo linguístico. Hoje, a ortodoxia que pratica o ídiche conversacional não ensina a escrever ou ler nesta “língua judaica”, exatamente para que seus adeptos não tenham acesso aos textos e livros desenvolvidos pela haskalá, pelo iluminismo.

Avigdor Liberman, o ministro da economia de Israel pretende cortar 25% da verba destas escolas, integralmente financiadas pelo estado apesar de serem 100% privadas. Na notícia, ficamos sabendo o quanto isto significa: um bilhão de shekels. Ou seja, o estado, o contribuinte israelense injeta um bilhão de dólares/ano (cerca de 4 bilhões de shekels) no ensino puramente religioso.

A proposta do ministro é que estes 25% retidos, e não absolutamente removidos, sejam repostos a cada instituição de ensino, mediante provas bem-sucedidas, inicialmente apenas de três outras matérias, sem forçar demais a questão: hebraico, inglês e matemática. Só isso.

Já existem muito mais opiniões contrárias do que a favor. A discussão vai continuar.

Foto do post – 2012 embaixador americano Dan Shapiro na Yeshiva Mir. Foto de Matty Stern/Embaixada Americana em Israel

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.