Monte Meron, Shimon bar Yochai e Parada do Orgulho Gay de Jerusalém: o que têm em comum?
Nestes dias 7, 8 e 9 de maio está acontecendo a primeira peregrinação ao túmulo do sacerdote Shimon bar Yochai, no Monte Meron, desde 30 de abril de 2021, 45 ultra-ortodoxos foram pisoteados até a morte por outros ultra-ortodoxos e outros 150 resultaram feridos.
Até hoje os partidos religiosos conseguiram impedir o indiciamento de qualquer dos responsáveis pelo evento. Alegam “decreto amargo” divino, almas pecadoras sendo punidas e não super-lotação, falta de possibilidade de saídas de emergência organizadas e até mesmo de um responsável por utilizar os sistema de som para tentar minimizar a tragédia.
A superlotação lá é considerada normal e desejável pelos organizadores. Uma festa para celebrar a vida em Lag Baomer não pode terminar em tragédia como 2021. Mas este ano algumas cenas muito lamentáveis.
Numa delas cinco jovens ultra-ortodoxos espancam covardemente o membro da segurança do evento, uniformizado e identificado claramente em enormes letras na jaqueta dele, porque o ouviram falando árabes. Decorre que o rapaz era druso e disse isso aos agressores que o chutavam nas costelas, barriga e cabeça, enquanto caído no chão. Um pesado cavalete metálico do controle de fluxo de público foi jogado em cima do druso. E depois uma lixeira arremessada contra a cabeça deles. O segurança druso só não foi morto a pancadas porque outro conseguiu chegar lá tempo e interferir. Será que os jovens hareidim sabem o que é um druso?
Sei que tem gente que não acredita, então o link original da filmagem do crime de espancamento do guarda druso está aqui abaixo. Note que o jovem de shorte vermelho está batendo no segurança com um pedaço de madeira o cano de ferro: agressão com arma mortal.
Temendo outra reação de pânico como a simples queda de parte da arquibancada em 2021, quando os presentes começaram a gritar “corram que é um atentado” (mas como correr numa massa compacta de pessoas?), a polícia não prendeu os agressores apesar de existir filmagem pública completa do início ao fim da ação. Estão lá 8.000 policiais e a presença de público na noite do dia 8 para 9 será de pelo menos 200.000 hareidim, inclusive milhares de crianças onde não cabe nem uma fração deste público.
Onde nas yeshivot e sinagogas ortodoxas em Israel estes jovens desviados aprendem que é correto agredir um segurança de um evento deles? Um rapaz que está lá para protege-los? Vai ver que é nas mesmas aulas onde outros estiveram e promoveram vários atritos contra seguranças, policiais e soldados de Israel, na região do Monte Meron chamando-os agressivamente de nazistas.
O porta-voz do Ministro da Herança (Judaica) Amichai Eliyahu, do Otzma Yehudi, partido de Itamar ben Gvir, um dos radicais no governo, o sr Israel Diskind, irmão de Simcha Bunin um dos mortos no Meron em 2021, aos 23 anos de idade, simplesmente levantou suspeitas de um grupo radical dentro do evento que imaginou ser o porta-voz de um dos ministérios deles, um agente infiltrado da polícia e partiram para cima dele. Com pouco espaço, Diskind foi mordido no braço provocando um corte profundo e necessitou de atendimento médico. O agressor foi detido, e rapidamente solto “para evitar novas confrontações”.
Não morderás teu irmão ou o próximo, não faz parte das mitzvot da Torá. Mas uma demonstração da agressividade de alguns dos hareidim.
Vários jornalistas foram hostilizados e câmeras de vigilância da polícia foram destruídas. No dia 9 de maio esperamos não ter outras notícias desagradáveis para dar sobre o Monte Meron.
Os judeus da Diáspora e os humanistas e os da direita e os do centro e todos os que não são ortodoxos das vertentes que praticam este absurdo, precisam entender que se ensina em algumas (não sei se em todas) as escolas religiosas judaicas em Israel que os judeus da polícia, do exército e de qualquer tipo de força de segurança são nazistas e estão sempre contra os ortodoxos. Ensinam que se deve espancar tais nazistas. Ensinam que não se deve obedecer a tais nazistas. Ensinam que matar nazistas ou LGBTGs não está abrangido em “Ló Retzach”, MANDAMENTO SAGRADO DA TORÁ – NÃO ASSASSINARÁS, lamentavelmente vindo até os dias de hoje como “não matarás”.
O que nos leva a Parada do Orgulho Gay do dia primeiro de junho em Jerusalém. Também é a primeira com os piromaníacos no governo e comandando a segurança do país. Não se sabe o que pode acontecer.
O que já está acontecendo é um aumento das ameaças de morte contra organizadores, apoiadores e participantes. A organização afirma que as ameaças são normais, mas este ano aumentaram. E aí é preciso adicionar uma pergunta: onde na ortodoxia judaica ameaçar de morte outro judeu ou outra pessoa qualquer é legítimo? Esta atitude deveria ser descartada de imediato pela ética judaica, mas não: parece ser incentivada por uma ética de escola de pensamento ultra-ortodoxa, não bem definida.
E não é invenção. Em 2005 o ultra-ortodoxo Yishai Schlissel esfaqueou três na Parada Gay de Jerusalém. Ele tinha 30 anos de idade e foi condenado a 12 anos de prisão, tendo a pena sido reduzida para 10, que cumpriu integralmente. Mas a justiça israelense pisou na bola e o soltou 3 semanas antes do dia primeiro de junho.
Yishai Schlissel pegou outra faca e atacou novamente a Parada Gay de Jerusalém, ferindo cinco pessoas e matando uma menina de 16 anos de idade, Shira Banki. Está condenado a prisão perpétua mais 31 anos de reclusão.
Várias das ameaças alertam para que outros “schlissels” estão por aí. O que leva um judeu Hareidi a esfaquear judeus gays? Nenhum rabino em Israel ousa responder ou mesmo condenar veementemente tal crime.
Dias atrás, um grupo de dezenas de hareidim fizeram um protesto defronte a uma prisão em Israel onde está aguardando julgamento um hareidim que tacou fogo numa loja de telefones celulares de outro hareidi, num bairro hareidim, porque um grupo de hareidim incentivados pelo rabino deles considera o celular, principalmente o smarthphone como um objeto imoral que deve ser destruído, queimado e proibido, enquanto outro rabino hareidim considera o smartphone como um recurso válido de comunicação entre as pessoas e deve ser comprado e vendido livremente. Assim, tacam fogo na loja de hareidi “imoral” e exigem que o criminoso seja libertado pois nada fez de errado. Outra pergunta: o que tem isso a ver com judaísmo? Onde estes jovens são ensinados a cometerem crimes com a certeza de não estarem cometendo crimes?
Durante a Parada Gay de Jerusalém do ano passado a polícia prendeu dez hareidim que tinham intenção de atacar os participantes do evento.
Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador
Imagem: frame do vídeo divulgado pelas mídias sociais no momento em que o segurança druso é agredido com um dos vários chutes nas costas que recebeu.