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Vigésima semana de protestos em Israel, agora o tema é o orçamento do governo

Parecia óbvio que vencida uma questão, o movimento de protesto contra o governo de Bibi Netanyahu iria se manter e eleger nova pauta. Mas a reforma judicial foi resolvida? Necas. 45 dias de recesso do parlamento, muitas reuniões do governo com os líderes dos partidos de oposição na casa do presidente Isaac Herzog, terreno escolhido para ser campo neutro.

45 dias que podem ser resumidos rapidamente: vamos fazer a reforma – diz o governo; não vão, mas não temos como impedir, diz a oposição. Nenhum dos dois lados cedeu um milímetro. Hoje, dia 22/mai/2023, o presidente Herzog declarou publicamente estar satisfeito com o embate, pois isso “é democracia plena”.

Mas seria mesmo? A visão israelense da democracia plena, da liberdade total de expressão e o direito da população se manifestar é um tanto quanto chocante para o resto do mundo, principalmente para o Brasil atual onde os direitos vêm sendo escaldados. Lá, no Estado Judeu, se opor na rua ao governo é democracia. Se você for ultra-ortodoxo judeu e gritar para soldados e policiais judeus que eles são nazistas, isto é liberdade de expressão.

Se você é líder de partido político ultra-ortodoxo e ameaçar pedir demissão de seu cargo ministerial e do partido não votar, caso o orçamento não aporte mais algumas dezenas de milhões de dólares para agenda que você defende, ou ainda ameaçar romper a coalizão e deixar o governo se 250 milhões de shekels A MAIS não forem aportados para o “bolsa-torá”, para sustentar a legião de jovens ultra-ortodoxos que não trabalham, além do 1,7 bilhão já alocado, é considerado negociação política democrática.

Isso, despois do orçamento ter sido emendado com 17 bilhões de shekels (bilhões mesmo) para financiamento das causas hareidim no restante de 2023-2024. Não é que não tenha sido alocado dinheiro. Uma fortuna será canalizada dos impostos de quem trabalha, quem compra e quem vende, para quem não trabalha e não vende, apenas compra. Mas de onde viria esta grana que transforma Canaã na Terra do Leite, Mel e Verdinhas? Os impostos arrecadados pelas municipalidades teriam uma parcela considerável retirada para encher o sacolé dos 17 bilhões. No início da semana passada, 200 prefeituras entraram em greve por três dias, alegando que iriam ter seus cofres saqueados. Mas isso, segundo Herzog, parece ser a saudável democracia.

Quando uma apresentadora da TV israelense disse no ar que os partidos ortodoxos são sanguessugas, a fala dela que deveria ser igualmente considerada liberdade de expressão, foi considerada antissemita. E olha que para algo ser considerado antissemita em Israel é complicado. Ou seja, judeus ortodoxos no controle do Ministério das Finanças e governo, canalizando impostos da sociedade trabalhadora para eles mesmos não podem ser chamados de sanguessugas porque isso é “feio” e “politicamente incorreto”. Dito pelo setor do governo que incentiva os seus a chamarem policiais e soldados judeus de nazistas, determina que “prestar queixa à polícia é agira contra Deus”, e que as determinações judiciais não podem ser seguidas. Tudo que “eles” emitem é “liberdade de expressão”. Tudo que se diz “contra eles” é inaceitável e pode ser enquadrado como antissemitismo.

A partir de terça-feira, dia 23, o orçamento tem seis dias para ser aprovado pelo Knesset. Se não for, o governo cai por “default” e novas eleições são convocadas. Então, a ameaça os líderes ultra-ortodoxos de não votar com o governo significa o fim do governo, se for implementada. Nos últimos três dias, as declarações oficiais dos ministros e líderes ultra-ortodoxos foram duras e contraditórias. Como Bibi resolveu, pois está resolvido?

O partido UTJ – United Torah Judaism é o que exigiu os 250 milhões de shekels adicionais. No dia 21, o parlamentar Yisrael Eichler, da facção Agudar Israel, a ultra-ortodoxia antissionista, em entrevista ao jornal hareidi Kikar HaShabbat, declarou que Bibi Netanyahu não é um líder e que desrespeitou várias promessas de campanha feitas aos hareidim e que eles devem reavaliar a posição deles na coalizão. Concordo inteiramente com a segunda parte da afirmação, e tenho a certeza de que essa gente do Agudat Israel jamais viu como líder nenhum dos primeiros-ministros de Israel, por definição constitucional do movimento criado em 1912 em Katowitz na Polônia, em oposição ao Congresso Sionista Mundial.

Inspirado em Lula, provavelmente, Eichler também pede a cabeça do presidente do banco central de Israel que acusa de manipular a taxa de juros para cima. Qualquer semelhança de narrativas é apenas a realidade.

Smotrich, do partido Sionismo Religioso, ministro das finanças, declarou no dia 21 que não existe mais espaço para incluir nada no orçamento e que se Bibi aceitasse a demanda do UTJ ele renunciaria. Bem, estamos esperando este fato notável acontecer, porque Bibi aceitou a demanda do UTJ e garantiu aqueles votos preciosos para o orçamento. Se você não compreende como podem se sentar no mesmo governo o sionismo religioso e os religiosos antissionistas, eu também não compreendo.

Itamar bem Gvir, do partido Otzma Yehudi, que também ameaçava tirar seus votos do orçamento, foi contemplado com o que pediu, mais 250 milhões de shekels a serem aportados em comunidades ortodoxas do grupo dele no Negev e na Galileia.

Pelo menos fico tranquilo, como comentarista, por ter afirmado, duas semanas atrás, que a questão ultra-ortodoxa na política de Israel se resumia a recursos financeiros e não necessariamente leis contra os judeus seculares. O orçamento de UM TRILHÃO DE SHEKELS será aprovado, talvez já neste dia 23 e o governo não cairá desta vez.

Opinião de José Roitberg – jornalista e pesquisador

Imagem: a pouco conhecida nota de 10.000 shekels homenagenando Golda Meir. Seria uma nota de 13.571 reais. Essa os hareidim não aceitam, por ter a imagem de uma mulher. O orçamento comporta 100 milhões de notas iguais a esta.

José Roitberg

José Roitberg é um jornalista brasileiro e pesquisador em história, formado em Filosofia do Ensino sobre o Holocausto, pelo Yad Vashem de Jerusalém.